Avatar Velho de Mim
Avatar Velho de Mim
Hoje li numa revista que as pessoas estão fazendo avatares para ver como ficarão quando forem velhos. Coincidentemente, eu fiz um desses avatares sem perceber. O problema é que o que eu fiz é real, eu mesmo ali, velho, envelhecido.
Explico: desde o dia 23 de dezembro, quando saí de férias, não raspei a barba. Foram dezoito dias, o que me deixou com o rosto tomado pelos perturbadores pelos. A família toda protestou, mas mantive a aparência que a todos espantou. Pai, você está muito feio, parece bandido, parece petista, toda sorte de comentário eu ouvi. Minha mãe quase me deserdou, filho seu não usa pelo na cara. Ainda bem que a herança material da velhinha é realmente pequena. O que ela deixará é muito mais ético e moral que um punhado de moedas que possa resultar do trabalho de sua vida toda. Engraçado que artistas de televisão adorados por todos portam suas barbas impunemente sem que ninguém questione suas decisões. Tem até a moda de manter uma barba rente, como se fosse um barbear mal feito. Mas a barba do pobre Jocelino não mereceu tamanha condescendência. Foi logo taxado disso e daquilo e os adjetivos para qualificar sua aparência não pouparam crueldade.
Para prolongar o evento barba, resolvi inventar uma promessa de ano novo que condicionaria o corte da barba: o problema era formular essa promessa. Corto a barba quando resolver meus problemas. Ora, se enquanto advogado vivo de resolver problemas, como poderei resolver todos? Corto quando cumprir este ou aquele objetivo financeiro, profissional ou qualquer coisa assim. Não dá para condicionar um desfecho tão sério em evento absolutamente aleatório, que depende de fatores externos. Porém a promessa deu margem a negociações familiares: troca por chocolate, não come chocolate enquanto não atingir o objetivo. Nem pensar, não vou deixar de comer chocolate. O fato é que há pouco, minutos antes do fim do último domingo de férias, raspei a polêmica barba enquanto me banhava.
Mas a imagem que vi no espelho me deixou pensativo. Quase aos quarenta e nove anos de idade, minha barba é praticamente grisalha. Embora os cabelos já estejam em fase avançada de branqueamento, a barba está bem mais adiantada em relação a eles. O homem que vi no espelho é realmente velho. Sua visão me projetou a daqui dez, vinte anos, quando realmente estarei esgotado física e mentalmente. Tem um ditado que diz que você nunca será mais novo do que é hoje e que terá saudade deste tempo quando for realmente velho. Acho que esse avatar me serviu para colocar os pensamentos em ordem em relação à velhice. O cansaço que sinto é controlável, descansável por assim dizer. Tenho força e disposição para trabalhar, embora de forma menos afoita que aos trinta anos de idade. Porém, não tenho mais tempo para aventuras, para desperdícios de tempo, de energia, de dinheiro. Todos os atos devem ser direcionados com parcimônia para não errar. Perdi muito tempo de minha vida consertando erros. Quando você cai por fazer algo errado, fica a certeza de que poderia estar melhor se não tivesse feito nada. Projetos frustrados é o que ataca realmente as suas energias, suas finanças e sua auto-estima.
Outro dia ouvi um grande empresário dizer que abriu mais de sessenta empresas em sua vida, mas que somente nove ou dez delas existem ainda hoje. Ora, esse homem tinha tudo para ser um grande fracassado, pois a maior parte do que fez não prosperou. Então o que fez dele um homem de sucesso? Evidentemente, a capacidade de saber a hora de fechar um negócio pouco rentável, a organização para saber exatamente a situação contábil de suas empresas e, principalmente, a liberdade para não se escravizar a empreendimentos que não lhe trouxessem o retorno esperado. Conheço diversos casos de dirigentes que não quiseram fechar no momento adequado, pois seus negócios sustentavam famílias de empregados, sócios, fornecedores e toda sorte de pessoas que dependiam deles. Conheço outros que não tinham controles confiáveis e somente ficavam sabendo que as coisas estavam mal quando o gerente do banco lhes cortava o crédito. Outros, tão infelizes quanto, não fechavam porque não tinham dinheiro para pagar os impostos e indenizações trabalhistas. Uns mais emotivos mantinham negócios fracassados abertos por valores sentimentais: meu avô fundou esta empresa, meu pai construiu este prédio, esse cliente já nos deu muito lucro e podemos tolerar sua má fase. Nenhum deles teve a mesma “sorte” do empresário que falei na abertura deste parágrafo, tiveram que fechar mais cedo ou mais tarde. Humilhados, abandonados, fracassados e endividados, todos os seus medos se confirmaram e gastaram décadas de suas vidas para recuperar a auto-estima. Exatamente por não terem tomados as atitudes certas nos momentos certos.
Pois bem, o Jocelino de quarenta e nove anos, que se viu diante de seu avatar mais velho (que na verdade é o espelho do que ele é atualmente), resolveu fazer a si mesmo algumas promessas de ano novo: Organizar sua vida de modo a não se arrepender futuramente por não ter dito não no momento adequado. Cobrar seus créditos e pagar seus débitos, não deixando que a noção de patrimônio imaterial o iluda e nem o convença a continuar insistindo em projetos fadados ao insucesso. Priorizar atividades rentáveis. Renunciar processos de clientes que não pagam e exigem resultados como se lhes devesse alguma coisa. Fazer justiça gratuita somente em casos extremos e, quando fizer, prestar ao necessitado um trabalho de excelente qualidade. Reciclar conhecimentos jurídicos, aumentando a qualidade do serviço prestado. Apoiar mais as atividades comerciais da esposa (por falar nela, faz uma hora que saí do banho e ainda não percebeu que raspei a barba. Sinal que já não presta muita atenção em mim).
Feliz 2012.