CRÔNICA DE UMA BORBOLETA

CRÔNICA DE UMA BORBOLETA

— Olá, amiguinho leitor ou amiguinha leitora! Eu sou Antófila, uma borboletinha azul, bem da cor do céu. Sabe por que meu nome é Antófila? É porque eu gosto de flores. Dizem que antófila, em grego, significa amiga das flores. Como nós, as borboletas, nos alimentamos do néctar das flores, meu nome é Antófila. Mas então... Espere aí! Não sou somente eu que devo ser chamada de Antófila! As borboletas de todas as espécies e cores também devem chamar-se assim. Como nós nos alimentamos de néctar, os homens deveriam chamar-nos de nectarinas. Não é mesmo? Em vez disso, chamam de nectarina pra uma frutinha parecidinha com laranjinha, bem miudinha. Viu só quantos diminutivos? É o meu vício de linguagem. Não repara não!

— Eu disse que sou uma borboletinha, no diminutivo, mas não é que eu seja pequena não. Aliás, esta mania de falar no diminutivo eu devo ter herdado de meus pais. Assim, quando eu te chamei de amiguinho ou amiguinha, não foi querendo dizer que tu sejas criança. É a minha maneira de demonstrar carinho. Embora eu tenha deixado o casulo há poucos dias, sou enorme. Nós, as borboletas, somos assim: já nascemos grandes e nem precisamos de cuidados especiais dos mais velhos. Temos que ter, isto sim, bastante juízo e muito cuidado pra não cairmos nas armadilhas do mundo.

— Pois não é que há poucochinho quase que entrei numa fria! Ali atrás, passando por uma porta aberta, senti cheiro de flores e entrei.

— Oba! Flores, quantas flores! — exclamei. “Mas não é um jardim”, estranhei em seguida, ao ver tudo escuro em volta.

Embora não visse o azul do céu, voei porta adentro, adejei, adejei... numa, noutras, em centenas delas. Eram rosas, crisântemos, flores do campo, dálias, margaridas e muitas outras mais. Mas... Oh, decepção! Arrancadas das plantas e ali dispostas em belos arranjos, estavam todas mortas embora conservassem ainda a beleza primitiva, o frescor do jardim que as viu desabrochar. Que desabrochar! Muitas delas, coitadinhas, principalmente as rosas, estavam ainda em botão.

— Cuidado, vais te queimar, menina! — ouvi a advertência.

Olhei, era minha irmã mais velha, a que havia me ensinado o nome de cada flor pelos jardins afora. Atraída pelo cheiro, eu havia me desgarrado dela, que, experiente, voou adiante, sabendo que dentro das casas dos homens não há o que nós buscamos: flores com néctar para sugarmos.

Quando ela deu pela minha falta, voltou correndo, ou melhor, voando o mais rápido que pôde e chegou bem a tempo de salvar-me. Em cima de cada arranjo, uma vela acesa pareceu-me a mais bela das flores, e eu, bobinha ainda, embora não tivesse o instinto das minhas primas – as falenas, que se sentem atraídas pela chama noturna –, quase que me dei mal.

Antes que algum garoto atrevido se engraçasse a querer capturar-nos, minha irmã voou apressada porta afora, e eu a segui ligeirinho, chegando a passar por ela.

“Como os homens são estranhos!”, fui pensando, “Se é que eles amam tanto assim as flores, por que não as deixam no pé...? Que modo mais esquisito de amar: matando o objeto de seu amor! E ainda se dizem seres superiores, racionais! Vê se pode! Será que eles não percebem que no jardim as flores são mais belas, duram muito mais e embelezam toda a natureza, ao passo que nos vasos, separadas das plantas, as coitadinhas não recebem mais o alimento necessário e duram poucos dias?”. Eta bicho esquisito, o bicho homem!

Quem quiser apreciar algumas de minhas telas acesse o blog atelierpacorrea.blogspot.com

PACorrêa
Enviado por PACorrêa em 08/01/2012
Reeditado em 05/07/2012
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