O Repórter da praça

O Repórter da praça

Jorge Linhaça

Ali, na praça Campos Sales, quase sob o viaduto, um rapaz senta-se sobre um banco de plástico...empunha um jornal e, munido de um microfone quebrado, virado para a Avenida Borges de Medeiros, bem ao lado da parada de ônibus, começa a ler e comentar as notícias do dia.

Faz do seu banco seu palanque, gesticula, dá inflexões diversas à sua voz,

por vezes repete insistente as mesmas palavras..." Dólares..dólares...dólares,

Lavagem...lavagem...lavagem...FBI...FBI...FBI, parecem ser as palavras chaves do dia...

Repentinamente, gesticula como em um comício e entoa o seu coro solitário em palavras de ordem..." Fora da casinha....fora da casinha...fora da casinhaaaaaa..."

Os transeuntes passam por ele e o ignoram quase que completamente,

apenas um ou outro olha de soslaio, meio que curioso, meio que recriminador para o repórter da praça...

Eu, como sou meio "fora da casinha", não resisto e ao chamado e vou ao seu encontro para tentar entender tudo aquilo.

Pergunto por que ele fica lendo o jornal e comentando as notícias daquela forma...ele, com ar de alienado pergunta por que quero saber , respondo que fiquei curioso...

Ele então muda o tom, como se voltasse a realidade, e me diz ser escritor, que se chama Francisco Horácio Indarte e já escreveu um livro chamado Zé Contente...que já foi estudante de sociologia na UFRGS e que morou vários anos em São Paulo, contou-me mil peripécias, e ao saber-me paulista ai sim é que sentiu-se bem à vontade.

A sua aparente "loucura" é o modo que encontra de interagir com a cidade onde nasceu, mas que é para ele hoje uma estranha...

Vez por outra, em meio à conversa, vira-se para os transeuntes e faz a sua "performance" brincando jocosamente com algumas palavras pinçadas de nosso diálogo.

Conversamos por pouco mais de uma hora, ele no seu banco branco e eu ali sentado sobre uma lajota que encontrei no chão da praça..

Zé Contente, apelido que diz ter lhe sido dado pelo povo, decide que é hora de ir para casa, quase que ao mesmo tempo que eu...atravessamos juntos a avenida e nos despedimos em frente ao "treme-treme".

Compro rosas para minha amada, e volto para casa a fim de escrever esta crônica sobre mais um personagem das ruas de Porto Alegre.