Curiosidade
CURIOSIDADE
Curiosa, sempre fui. Imaginativa, também.
Mocinha, ficava à janela de casa observando os transeuntes, pois tinha vagares para tal. E conjeturava sobre suas vidas.
Aquela senhora, de fisionomia tensa e triste, andar apressado, por exemplo. Que preocupações e mágoas se escondem atrás daquela máscara? Filhos, marido, doenças, dificuldades financeiras?
Já aquele outro senhor que calmamente anda, contemplando as árvores e as gentes, pelo seu jeito sem pressa parece feliz e tranqüilo. Talvez seja um aposentado, curtindo seu merecido descanso.
Agora são duas mocinhas que passam, falando e rindo. Quase certeza que o tema da prosa é o amor, namoro. Será que ambas já acharam seu par ou estão ainda na fase da paquera? (Naquele tempo se dizia flerte)
Já adulta, sem tantos vagares, nem assim deixei de imaginar as vidas daqueles que por mim passavam.
À janela do apartamento alto, observava os telhados das casas lá embaixo, tentando saber como seria a divisão interna. Onde a sala, os quartos, a cozinha? Que aspecto teriam? Quem ali habitava, família grande, um velho casal? De tanto imaginar, quase sentia o aroma que se desprendia das panelas no fogão e ouvia o raspar da vassoura no assoalho, na limpeza matinal.
Fiquei velha e continuo curiosa.
No meu trajeto de volta à casa, passo sempre pela mesma rua movimentada, o que me obriga a ir devagar. Por vezes, o trânsito, de tão lento, para. Com é de meu costume, aproveito a pausa e observo os prédios ao redor, imaginando as cenas (e dramas) que ali se desenrolam.
Quando calhava de eu por ali passar em fins de tarde, por volta das dezessete horas, via à uma das janelas de um primeiro andar, uma senhora de cabelos brancos. Sozinha, quieta, contemplava a rua. Não sei se, como eu, tinha a curiosidade aguçada. Mas que parecia bisbilhotar, lá isso parecia.
E eu a imaginar por que estaria ela sempre sozinha à janela. Viúva, talvez? Ou não, e estaria à janela a esperar o velho companheiro? Ou morava com filho ou filha, que a esta hora estaria trabalhando?
Minhas perguntas deveriam, é lógico, ficar sem resposta. Senão qual a graça?
Acostumei-me, porém, a vê-la à janela, todos os dias, naquele horário. Já quase achava que éramos amigas de longa data.
Eis que um dia não a vejo à janela. Pensei cá comigo que talvez eu estivesse adiantada ou atrasada, por isso ela não estava lá. Mas não, o horário era esse mesmo.
Outro dia, e não a vejo. Começo a preocupar-me com o que lhe teria acontecido. Estaria doente? Viajara?
Passavam-se os dias, e a senhora sempre ausente. Agora, as janelas permaneciam fechadas, as cortinas cerradas, nenhuma luz acesa, nenhum sinal de vida.
Mudara-se ou morrera a velha senhora?
Não sei, jamais saberei. Mesmo assim, não consigo deixar de olhar para aquelas janelas, cada vez que por lá passo, curiosa por saber o que teria acontecido à minha “velha amiga”.