Compassos de Ulisses

Sentou-se ali, determinada. Era ordem que vinha do coração, sem razão alguma. Impossível descumprir o dito de tal voz. Seria qual Penélope. Chegaria seu Ulisses a tempo de recompor sua história, enfim?!
Enquanto a espera se protrai, tece longas tramas com palavras justas e serenas. No correr do sol, de horizonte a horizonte, as sílabas vão e vêm em cadeia de encontros sutis e perfeitos. Verbalizam-se e oram juntas, como letra de canção, poesia em prosa, sem métrica.
Ao anoitecer, sob a sombra clara da lua, as palavras montadas despedem-se e desvestem-se de tantos ou quaisquer significados e voltam ao leito do rio da alma. O barqueiro, sem remos ou rumos e raro humor as brinda com palavras sizudas de um profeta. Elas vão aos aposentos e ficam a espera do amanhecer. Amanhã, talvez, ele chegara. O homem Ulisses sem tróia, inteiro e sem tramóia, enfim, nos unira, dizem esperançadas. E, a partir de então, dormiremos juntas, todas nós, com nossos amados sentires, nossos signos e significantes.
E ela, então pensa, solitária em si mesma ensimesmada que, tal qual a doce Penélope, enfim, reviverá, em todas as manhãs, para celebrar o amor que vai chegar e que ficará.



Ulisses chegou. Pediu uma xícara de café e garantiu ter aprendido a voar. Na cozinha mostrou-se comedido. Só carnes brancas. Detestava cores. Negou ter mirado as águas de lagos azuis e ou ter feito juras de amores traídos que deixou pelo caminho da guerra. Abriu do bom vinho que tinha no peito. Derramou-se sobre ela e deixou-a farta, a espreitar a lona do circo armado em tono de si. Pensou ela que tudo fosse metáfora da lua que nem sequer passava perto do zinco de seu mundo. Este céu de lata, estático, sobre o seu mar. De onde viera Ulisses guerreiro? Do fim do mundo, seguindo longos fios de prata que não ela soubera enrolar, tecer, trançar com a devida atenção? Vai ver, fora muita a precisão e ele apenas acabara de chegar ou crescer, talvez. Nem pensa como irá o amanhã receber a novidade. Mulheres carpideiras virão assomar-se à porta para cantar, qual verônica descabelada e descalça. Farão um longo terço, pés em sólido chão, profusão de sonhos. Afogueadas, todas correrão aos braços dele e de lá voltarão exangues. Agora, caladas, indefinidas. E, ela, então, somar-se-á à sombra da grande árvore que fica no ponto mais alto da ilha. Ali, de cócoras, olhos semi-cerrados, sempre é bom lugar de espera. Espera definitiva. Ela, agora, definida.