beijar

Levanta-se para esvaziar o cinzeiro. Conta. Seis bitucas. Precisa parar de fumar. Não, não, o melhor é não fazer qualquer plano de parar de fumar. Pelo menos não fica com essa sensação de derrota quando vai esvaziar o cinzeiro. Marcela não gostava da sua boca cheirando a cigarro e teve, (a danada!!), a coragem de dizer isso, de desculpa, quando anunciou que ia para Londres, trabalhar numa ong, por uns meses. Meses!? Fazia um ano e depois de uns três emails, lacônicos, a mulher se esfumou no fog londrino. Se é que estava mesmo em Londres!

Por que será que tinha essa mania, obsessiva, de se sentir enganado?!?.. Vai ver ela estava mesmo em Londres e feliz e pronto. Saiu sem casaco, para comprar outro maço. Queria era sentir um pouco do frio da madrugada. Achava bonita a rua vazia, depois da chuva, com as luzes multiplicadas. Na esquina, cruzou o olhar com uma loira, de quase um metro e noventa, coxas grossas e o sexo bem escondido no meio das pernas. Seguiu caminho pensando nas pernas de Marcela. Precisava tirá-la da cabeça. Que coisa! Da boca cheirando a cigarro passou para as coxas e ficou com Marcela a dominar sua cabeça. Chega!! Pensou no trabalho, no projeto em pauta. Destestava aquele cliente e sabia que, nas próximas semanas ia ter dor de cabeça. Abriu a porta de vidro do bar e sentiu cheiro de mofo com vapor alcoólico. Nas mesas, os mesmos. Só chegou ao balcão e saiu com o maço fechado no bolso da camisa. Preferia voltar para o frio. O bar sufocava naquela hora. Abriu o maço, acendeu mais um, e tragou a fumaça, tão companheira. Precisava arranjar uma par de coxas que gostasse da sua boca cheirando a cigarro. Quando beijara alguém nos últimos tempos? Lastreou a memória e sentiu uma certa tristeza, que merda, veio-lhe na cabeça os lábios carnudos de Marcela. Nos primeiros tempos ela adorava pendurar-se no pescoço dele e dar-lhe repetidos beijos, entre risos e palavras carinhosas. Tentou espantar a lembrança do dia em que a afastou si, seco ele, doce ela, para dizer que tinha a cabeça cheia de problemas e que não era hora de beijar. Hora de beijar, ela estocou-o!!. E tem hora de beijar de não beijar?!! Fazia tempo, fazia tempo que não sentia o prazer começar no beijo. No último ano, para ser preciso, beijar beijar mesmo, não beijara ninguém. O sexo com algumas conhecidas, e outras nem tanto, vinha sendo atlético, com precisão, mas sem muito beijo. Não dava vontade, não dava tempo, não cabia. E, ademais, vai ver que elas nem gostavam de sua boca cheirando a cigarro... Não, não, elas nunca reclamavam. Mas não o beijavam, assim, pra valer. A idéia do beijo, da boca na boca, da sutileza combinando com proximação, da respiração contida e compartida, de todo o universo a ribombar na cabeça, nos olhos, e todo o tesão em tensão ali no beijo, no beijo. Nem percebeu que o cigarro já estava no filtro. Tragava fundo e sentiu frio e a garoa fina. Voltou para casa e subiu as escadas. Estava irritado, de repente. Ah, queria um beijo, só um instante de beijar. Deitou-se de braços abertos sobre a cama decomposta. Olhou o teto. Respirou fundo. Tô ficando louco. Tô louco por um beijo. Louco por um instante de amor! Essa não! Tentou se acarinhar com as mãos, mas o sexo estava em paz, inerte. Nem pensou em ligar a tv. Marcela voltou na cabeça. Marcela, marcela. Perdera-a de vez? Animal! De certo sim, e não fora por causa da boca cheirando a cigarro. Não!! Sabia disso. O buraco era mais embaixo. Era o beijo, a questão era o beijo.