Você reconhece uma verdadeira amizade?
"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram,
mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis,
coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis".
(Fernando Pessoa)
Quando você encontra um amigo ou amiga de verdade, acontecem coisas que nos deixam maravilhados. Uma delas é ter um convívio cheio de calor humano, o amigo chega a adivinhar as suas necessidades.
O amigo de verdade logo lhe mostra que quer ser seu amigo pra valer. Ele se abre pra você, confessa seus erros, é um livro aberto, é espontâneo, que chega a nos deixar desconcertados. Fica muito atento ao que você diz e não deixa de dar uma resposta amiga a tudo que você fala. Ele lhe deixa tão à vontade, tem tanta alegria de dialogar com você que parece um amigo antigo e não ficamos com vontade de deixá-lo.
A certeza de que você encontrou um amigo de verdade está no fato de você sentir muita falta dele. É aquela pessoa que se mostra inteira para você. E a principal característica para se saber se encontramos realmente um amigo é verificar se o encontro com ele lhe provoca alegria. Este é o fator determinante. Deu alegria? Então, o amigo foi encontrado.
Na amizade, o que você fala, o que você pede, tem resposta imediata. O amigo não deixa para o dia seguinte e nem faz “doce”. O reflexo é imediato. Ele lhe oferece com carinho o chamado "feedback". O amigo conserta, lhe põe no rumo, lhe dá dicas. Se não há isso, não é amigo. Pode ser a pessoa mais educada do mundo, pode lhe mandar abraços, beijos, elogiar, mas não é seu amigo ou amiga. Claro, ninguém tem obrigação de ser amigo de alguém. É preciso deixar bem claro isto. E a amizade verdadeira é mesmo rara, é ainda um enigma, assim como é o amor.
Esta amizade de que estou falando parece que se dá num nível extra-sensorial. É o encontro de duas almas que já se conheciam. E as almas se conhecem. Por isso aquela sensação tão conhecida de amigo de infância que temos, quando acontece esse encontro maravilhoso.
Meu pai teve um amigo assim por toda a vida, o cearense Armando Rocha. Todo sábado à noite os dois iam para o Bar Lucas, no posto 05, em Copacabana, tomar chope. Um segurava a "barra" do outro. Eram confidentes. Recordo-me com ternura a visita, última, do Armando lá em casa. Papai no leito de morte, bem doente, no começo do seu calvário, como ele me dizia. O Armando, com o carinho do amigo, senta-se ao lado da cama e diz: "Como vai Moacyr? Como moribundinho você está bem de aparência". Os dois não perdiam o bom humor. Um mês depois, o Armando morre. No ano seguinte seguiu atrás o meu pai, o melhor amigo do Armando.
O filósofo Montaigne teve um amigo assim, Étienne de la Boétie. Escreveu uma página antológica sobre amizade, no seu único livro "Ensaios". Perguntado sobre sua amizade com o Étienne, disse: "se insistirem para que eu diga porque o amava, sinto que não saberei me expressar, senão respondendo: porque ele era ele; porque eu era eu".
Na adolescência, fase difícil para mim, tive um amigo assim. O Luiz Affonso Passarela tornou-se meu amigo em um segundo de conhecimento comigo. Paulista, apareceu no meu Colégio, em um dia de prova. Não sabia nada. Não sei porque o obrigaram a fazer a prova. Meia hora de prova e eu já havia terminado de responder facilmente às perguntas. O Luiz Affonso, olho arregalado, me pede cola. Vendo o apuro do paulista, perdidão no tempo e no espaço, ponho minha prova na mesa dele. Fico sem nada na minha carteira, exposto a ser descoberto pelo professor. Confesso que também fiz isso por um certo espírito de brincadeira. Nunca resisti a uma brincadeira. O Luiz conseguiu copiar tudo e se livrou do zero. Nasceu ali uma amizade espetacular que durou toda a vida. E ele me tirou de grandes apuros existenciais. Éramos também confidentes. Certo dia, lhe perguntei porque ele era meu amigo. Ele me disse, simplesmente: "porque você teve coragem de me entregar sua prova sem me conhecer".
Exemplifiquei para tentar mostrar aos leitores e leitoras de que estou falando de amizade verdadeira, de sentimentos que unem os amigos, quase sem explicação. E, importante, o sentimento tem mão dupla: vai e vem.
Acho que essas características poderão nos orientar, se houver dúvida quanto a um relacionamento de amizade. Não existindo esse tipo de amizade que descrevi, caro leitor ou leitora, podem ficar sabendo que esse relacionamento pode ser tudo, menos amizade.
Rios de tinta já foram gastos tentando analisar essas amizades. Há textos lindos sobre o assunto. Fiz esta crônica observando minhas amizades e relacionamentos, e minha experiência foi me indicando as características da verdadeira amizade.
Alguém poderia me perguntar porque fiz isso, já que não sou especialista no assunto, mesmo porque os grandes da Antiguidade já se aventuraram na matéria.
A resposta é simples. Estava com muita dúvida a respeito de uma “amizade” e procurei ser mais observador e me lembrar daqueles que foram realmente meus amigos e amigas. E nessa lembrança vi com mais convicção como reconhecemos uma verdadeira amizade. Descobri que essa "amizade" não tinha mão dupla. E saiu esta crônica! Aposto que gente que eu conheço muito bem vai se identificar com este texto.
A minha amiga Liliane, poetisa do Recanto, vivendo em Goiás, com sua mineirice brejeira, ao conquistar sua independência emocional, descobriu agora o valor da amizade verdadeira. Que bom, minha amiga! Poucos conheceram este sentimento maravilhoso, que é cósmico.
Se o gênio da lâmpada de Aladim me perguntasse qual o meu único desejo, embora já tenha amigos neste nível máximo, diria sem medo de errar, porque conheço esse sentimento: "me arranje rápido mais uma amiga ou um amigo de verdade, e não quero mais nada da vida".