Amor, Distanciamento, e se Auto-Encontrar
Ele sabe com todas as suas convicções que a amava acima e além de qualquer coisa: além de qualquer idéia, problemas, receios, contudo, como persistir em amar com tanta devoção a alguém que não investiga e mergulha em seus próprios sentimentos, em sua própria alma, a fim de ao menos tatear as possíveis teorias sobre seu próprio ser, sobre o sentido de ainda querer viver, sobre si mesma?
Ele a amava, e sabia os porquês de amá-la tanto, e conhecia as razões e os fins de querer deixá-la, de se afastar para sempre dela. Não meus amigos desconhecidos, contar-vos-ei a verdade, pois ele jamais quis soltar a mão de sua Amada, contudo ele sabia que tudo era os conjuntos de ilusões e auto-ilusões que no fim só revelariam uma única verdade: ele abandonado nos desertos de sua solidão, na aridez de suas nostalgias, nos purgatórios de seu amor tão sublime por ela, enquanto a mesma estaria sorrindo disfarçadamente diante do mar, pensando em suas escolhas, em sua auto-piedade e orgulho para si mesma.
Ele queria arrancá-la de dentro do núcleo de seus pensamentos, de seu sentir, mas era uma guerra em vão: pois seu amor por ela estava entranhado em seu DNA e em seus neurônios. Ele sabia que o fim de tudo aquilo seria uma pôr-do-sol cuja hibernação não teria fim, jamais iria se dissipar.
Suas lágrimas tocavam o perfume ainda intacto e puro cobertos no cerne de suas mãos. É verdade meus amigos, ele a amava porque a amava, já ela o amava por pensar que talvez o amasse. Ele sabe o quão estúpido era persistir injetando tais doses de ilusões e auto-ilusões em sua corrente sanguínea, como seria a mesma estupidez suicidar-se por alguém.
Tantas questões, tantas escolhas, tantas conseqüências, e ele conseguia ver cada variante, cada inequação matemática e social de cada atitude, cada movimento, cada emoção e ação e reação antes mesmo de ocorrerem.
Não era apenas a questão de evitar uma dor certa, ou ver as coisas de formas pessimistas, ou provar para si mesmo que se está certo. O ponto primordial era que ele sabia, por tanto investigar e ponderar e examinar as realidades da vida e as pessoas como realmente elas são.
Era sábado de 2012 em Acaraú. Uma voz anunciava que o trem estava a chegar.
(Na véspera da noite anterior, ele sonhou com seu lindo sobrinho chamando-o de pai. Teorias psicanalistas poderiam explanar alguma verdade sobre seu sonho, todavia nenhuma delas sabia com exatidão a verdade que em seu intimo guardava, protegia, e o dilacerava paulatinamente.)
Ele olhou para trás, e levou em seu coração o sorriso dela, a textura de sua pele, os beijos e os abraços cheios de vontades inconcretizadas, mas que ainda aqueciam suas lembranças e seu corpo gélido por sua racionalidade, como também todos os sentimentos que jamais iriam se desintegrar com o tempo por ela. Ele finalmente entrou no trem, sem saber aonde aqueles trilhos o levariam para algum lugar onde o auto-esquecimento fosse a fonte da vida eterna.
No trem havia rostos somente desconhecidos, mas em todo rosto ignoto ele via uma parte de si mesmo. (Não meus amigos, ele não fugiu de nada. Várias vezes ele se sentia como um poço policromo e cosmopolita de várias personas afundadas nos abismos de todos os penhascos de seu próprio pensar.)
Ele simplesmente buscava encontrar a si mesmo em todas suas perdições e remissões, pois ela o esqueceria depois de dois meses, mas isso era bom para ela, embora a esperança o flagelasse com uma fé que só o atormentava. Concordo convosco: ele desejava que ela também encontrasse, enquanto os trilhos do trajeto não acabassem, ele desejava que ela encontrasse a si mesma nas orlas de sua auto-alienação, e se perdoasse e seguisse enfim sem hesitar nos caminhos imprecisos de suas convicções e de suas dúvidas. Eles eram um só coração e um só espírito, mas os vendavais da vida e de nossa alma quase sempre nos conduzem por mares subjetivos incongruentes.
Gilliard Alves Rodrigues