Arrependimento

Eis um pequeno texto que escrevi aos 12 anos e encontrei por acaso, remexendo minhas coisas. Espero que gostem. ;)

Disse Cléo ao marido, Floriano:

_ Tô precisando de uma reforma geral no meu guarda-roupa, bem... Já usei estas roupas dezenas de vezes e não aguento mais olhar para elas!

_ Mas são tão lindas... – disse Floriano, tentando convencer a mulher a desistir da ideia, já que, certamente, ela usaria seu cartão de crédito.

_ Podem até ser lindas, mas eu quero outras! Hoje mesmo eu vou à loja e faço a festa com o seu cartão!

Floriano fez uma cara de criança que sai de uma loja de brinquedos sem levar nada, mas não consegui impedir a mulher, consumista.

_ Não esquenta, não, Floriano. Eu te pago depois. – ou seja, ela não pagará nunca.

Na loja, Cléo não desgrudava os olhos brilhantes das vitrines. Ela queria levar tudo. Foi quando um homem muito feio, de nariz avantajado, roupa formal e cabelo tipo “boi-lambeu” se aproximou.

_ Posso ajudar? – perguntou ele.

Por que os vendedores sempre se oferecem para ajudar e acabam atrapalhando mais a cabeça da gente?!

_ Sim. Onde fica a seção de calçados? – respondeu Cléo.

Em seguida, o vendedor conduziu-a até lá. Ela estava maravilhada, e olhava para todos os lados.

_ Meu Deus! Quanta coisa bonita! – exclamou, fascinada.

_ São todos importados, e estão na promoção – disse o vendedor, fazendo questão de salientar a procedência dos produtos: - estes aqui são italianos, estes são franceses, estes, alemães...

O brasileiro sempre diz que tem orgulho de pertencer a esta nação, que o Brasil é maravilhoso, mas fica todo cheio de pose quando tem alguma coisa importada.

_ E quanto custam? – perguntou Cléo, como se estivesse interessada no preço, já que não ia doer no seu bolso e, sim, no do seu marido.

O vendedor, espertalhão, desviou-se:

_ Para que saber o preço, madame? A qualidade é o que realmente importa! Estes sapatos, além de belíssimos, têm maior durabilidade e proporcionam mais conforto e menos calos aos pés de quem usá-los.

Depois de escolher uns três pares, Cléo pediu para o vendedor levá-la à seção de roupas de festa.

_ A madame não pode deixar de levar este maravilhoso vestido de pura seda chinesa! Dizem que a Lady Di tinha este vestido em seis cores!

Não sei por que algumas pessoas ficam fascinadas quando compram roupas que os famosos usam ou pisam em lugares pisados por eles. Como se isso mudasse alguma coisa em suas vidas!

Induzida pelo vendedor, Cléo pegou aquele vestido e mais três, e foi direto para a seção de roupas casuais.

_ Madame, qualidade é o nosso forte! Esta blusa, por exemplo: ela pode até ser meio feinha, mas é tão macia e durável... – disse o vendedor, usando de sua lábia fajuta.

_ Ah... mas eu não sei se o dinheiro vai dar... – lamentou Cléo.

_ Não se preocupe. A senhorita pode dividir em até doze vezes sem juros!

_ Ah, então eu levo! E mais aquelas ali e essas calças.

Ela estava tão animada que nem percebeu que o limite do cartão já estourara.

Na hora de pagar, a moça do caixa:

_ Perdão, senhora, mas o seu limite estourou.

Cléo fez uma cara de diabo da Tasmânia no cio e esbravejou:

_ Senhora?! Você é mais velha que eu! Aquela garotona ali é mais velha do que eu! E que história é essa de cartão estourado?! Pode conferir, aí!

A esta hora todos os clientes e funcionários da loja olhavam, pasmos, para Cléo. A moça do caixa tentou domar a fera:

_ Calma, senhorita! Se você quiser, eu passo o cartão de novo, tudo bem.

_ Que papo é esse de você?! Você tem intimidade comigo, por acaso?! Passa logo esse cartão que já estou fula da vida!

Não deu outra: o cartão estourou. Cléo teve de pôr a mão no bolso e completar com seu próprio dinheiro.

No caminho de volta para casa, andando com dificuldade por causa dos inúmeros pacotes, Cléo viu um enorme bueiro aberto, com uma placa onde estava escrito “homens trabalhando”. Enquanto atravessava a rua, chocou-se com crianças que corriam de um lado para o outro, derrubando todos os pacotes dentro do bueiro.

Ao chegar em casa, Cléo, envergonhada, disse a Floriano:

_ Querido, eu tenho duas notícias para você: uma boa e uma ruim.

_ Oh, querida. Diga-me primeiro a boa.

_ A notícia boa é que eu desisti de comprar roupas novas. Pra quê, se eu posso usar as velhas, não é?

_ Graças a Deus! Meu dinheiro está salvo! E qual é a notícia ruim?

_ A notícia ruim é que... roubaram seu cartão!