Harmonia

Já deve ser a décima vez que tento lhe escrever alguma coisa e cada vez essa maldita carta fica pior e pior. Nem mesmo eu sei como começar, a palavra perfeita deveria ser a primeira... mas qual palavra seria essa? Não sei nem se você gostaria de ouvir ou ler alguma palavra que venha de mim. Escrever sempre foi uma válvula de escape pros meus problemas, mas não dessa vez. Meus demônios não estão sendo exorcizados dessa vez.

Veja bem, alguém sempre tentava me avisar dos riscos e das preocupações, mas eu nem sempre ligava. Eu comecei a pintar minha vida de cinza.

Comecei a viver de acordo com as nuvens e as estrelas que estavam no céu. Que estrelas? E o desespero de quando chovia era quase que suicídio pra mim.

Essa harmonia era sanguinária, subjetiva e me maltratava. Depois, eu me peguei me odiando por continuar com esse jogo que apesar de torturante, parecia interminável e o final prometia...

Me vi várias vezes apontando dedo para as pessoas, fazendo sempre a escolha errada e se achando politicamente correto. Quando na verdade esse sentimento de culpa estava cada vez maior, caindo sobre as minhas costas; quando eu deveria ter percebido que eu tinha o infinito sob os meus pés e sobre minha cabeça. Me diziam que as estrelas nunca poderia quebrar, mas um se quebrou diante dos meus olhos.

E aí, no coral da noite que antecede o natal... eu como se fosse bêbado. Sem teto, vagabundo mesmo. Eu quebrando tudo entre prédios em construção. Palavras rimadas? Do jeito que as coisas estão caminhando, nem poemas vão existir mais. Descobri da pior maneira que existe uma bela diferença entre atração física e atração de verdade.

E cada vez mais, com essas dificuldades, eu tentava achar um som melhor. Uma palavra melhor que fosse pra começar aquela carta. E eu me sentia envergonhado por tantas mentiras... Tudo aquilo que eu já tinha planejado foi sufocado, foi morto pelo arrependimento. Daquilo que eu fiz e daquilo que eu deixei de fazer; eu ainda o vejo sorrindo pra mim, com ar de sarcasmo, da mesma forma que eu fiz com todo mundo. Meus sentimentos já foram enterrados há muito tempo.

A preocupação, as maravilhas e o tempo que passa sem deixar rastros – apenas as lembranças – e se é que podemos considerar um rastro.

Eu dividiria todo o meu tempo, mesmo que fosse pequeno e frágil com nossas histórias. Já lhe disse várias vezes...

Talvez seja essa a palavra perfeita. Talvez não seja nada, pelo menos enquanto o 'talvez' ainda fizer parte de nós.