MEU PAI

MEU PAI

Magro, 1,68m., lá vem ele caminhando em direção a nossa casa. A uma quadra de distância já sei que é ele que vem vindo, pelas pernas tortas, qual alicate. Meu coração bate mais forte, e quando atravessa a rua e entra em nossa calçada, saio em desabalada carreira para encontrá-lo. Ele para, abaixa-se e me dá um abraço forte e um beijo que me faz cócegas, pelo bigode fino que ostenta. Coloca-me de cavalinho e assim vai até a entrada de casa. Ele troca de roupa e vamos para o quintal bater uma bolinha, jogar espeto, bola de gude ou ainda dar banho nos cachorros. Desce a noite e ele continua incansável após o jantar, vamos brincar de esconde-esconde, jogar um dominó ou loto.

Durmo antes dele e não o vejo sair no dia seguinte. Tenho 5 anos e adoro meu pai.

Acordo pela manhã e vou para a escola primária. Vejo meu pai na hora do almoço, e diariamente me pergunta se fui bem na aula de hoje, e quando voltar no final da tarde daremos uma olhada na lição de casa. Faço a lição e espero, ansioso para ouvi-lo, esperando o elogio que sempre vem e, vez por outra, acompanhado de umas balas ou algum doce comprado na padaria da esquina. Quase toda quarta- feira me leva ao cinema e voltamos a pé para casa, brincando e rindo de cenas do filme. Nas outras quartas me leva a Vila Belmiro para assistir o magnífico Santos F. C.. Tenho 7,8,9,10 anos e continuo adorando meu pai.

Agora já sou um hominho, como diz meu pai, e lá vou eu para o ginásio, sozinho, de bonde e louco para que chegue a tarde e possa encontrá-lo no ponto de táxi e, quem sabe, fazer umas corridas com ele. Começo a trabalhar ajudando-o na banca de jornais (seu segundo emprego) e aí começa a minha paixão pela leitura.

Acordo com ele ainda na madrugada e lá vamos nós para a banca, é um prazer estar a seu lado e tomar um pingado com pão e manteiga as cinco da manhã, saudando o amanhecer.

Agora estudo a tarde e a noite faço as tarefas para poder acompanhá-lo na madrugada, rumo aos jornais e revistas.

Vou crescendo e agora aos 14 anos, finalmente consigo acompanhá-lo para assistir a filme impróprio para menores de 14, Ben-Hur (rs).

Daí em diante, vamos nos vendo diariamente, mas apenas esporadicamente saímos juntos. E assim continuamos até que começo a trabalhar de verdade e ele me diz:

“ Agora é contigo, te vira, mas se precisar estou aqui “

Ele já partiu há muito tempo, mas deixou marcas indeléveis em minha existência, não só as pernas tortas, que não esqueço, mas principalmente a paciência, perseverança, amizade, bondade, responsabilidade e a alegria de viver.

Sempre quis ser como ele, mas não consegui, por uma simples razão que agora entendo, ele era único, o MEU PAI, MEU SUPER-HERÓI.

Arnaldo Ferreira
Enviado por Arnaldo Ferreira em 01/01/2012
Reeditado em 01/01/2012
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