Confissão de Culpa

Acho que nasci culpada... Culpa por não ter sido a filha perfeita, a estudante brilhante ou a mãe do ano. Culpa por não ter dito o que deveria e por ter dito muita besteira também. Culpa por não ser a mais bela, nem a mais esbelta... enfim, por estar longe do padrão de beleza atual (ou de qualquer época da humanidade!). Culpa por nem sempre me dedicar às amizades como deveria e por nem sempre ter tempo para realizar tudo o que gosto. Culpa por não ser boa na escrita, apesar de gostar de escrever. Culpa por não ser a melhor profissional, apesar de gostar do que faço... Cresci num mar de culpa e tenho a impressão de que isso sempre me trouxe muito mais ansiedade e empecilhos do que coisas boas.

A verdade é que os anos têm me mostrado que o sentimento de culpa é destrutivo. Ele não nos impulsiona, ao contrário, nos estagna. Quando culpados, não nos sentimos capazes de reverter a situação e jogamos a culpa de tudo em nossas costas. Imagine que houve um momento em que me culpei pela miséria do mundo...também houve uma época em que a culpa era tamanha que ao ouvir no noticiário o caso de um pai acusado de ter atirado a própria filha da janela do apartamento em que morava em São Paulo eu, que moro no Rio, cheguei a sonhar durante a noite que eu fora a culpada pela queda da menina...para ver o grau da culpa...ou será paranóia?! O fato é que deixando de lado a loucura por trás da minha personalidade, fico a imaginar a contribuição da sociedade atual para o meu elevado grau de culpa, o que me gera problemas físicos também (tenho psoríase e já não agüento mais as pessoas perguntando sobre essa mancha em meu cotovelo ou mesmo na hidroginástica as pessoas olhando imaginando que tipo de doença de pele é aquela...chego a me culpar por querer fazer hidroginástica!).

Vivemos em uma sociedade em que felicidade é alardeada como algo que pode ser comprado e torna-se item obrigatório. Devemos seguir um padrão no vestir, no agir...até no estilo de nossas casas. Já perceberam que atualmente todos têm o mesmo padrão de móveis? O ideal de uma casa que reflita o nosso verdadeiro EU não chega a atingir a classe média porque na verdade esse não é o padrão...e devemos estar na moda, não é mesmo? A tecnologia tem muitos aspectos positivos, mas nada trouxe de forma tão drástica a idéia do descartável e aumentou tanto o nosso desejo pelo supérfluo. Já não nos contentamos em ter uma televisão que nos permita ver um determinado programa, mas temos que ter o HD e outras parafernálias da tecnologia moderna. Nossos telefones, que antes serviam para que pudéssemos ouvir a voz de quem estava distante e eliminar o sentimento da saudade, hoje nos distancia ainda mais. Usamos mais os celulares para enviar mensagens do que para falar. É como se ao escutar a voz do outro lado da linha quebrássemos uma distância que deve ser mantida no mundo tecnológico atual. Não quero parecer primitiva ao criticar a tecnologia atual, mas confesso que a avalanche de novidades tecnológicas contribui em muito para o elevado grau de frustação que vejo nas pessoas e em mim mesma. É como se a nossa realização fosse proporcional a nossa capacidade de consumir as novidades tecnológicas...é isso mesmo: CONSUMIR...essa a palavra do século.

É impossível ser feliz nesse mundo, afirmam as propagandas, sem que você tenha a bolsa de grife, o perfume importado, o creme anti-rugas, celulite...o carro da moda, o iPhone, o IPAD, o conjunto de cirurgias plásticas que lhe farão parecer a modelo de revista,...enfim, até o envelhecer, que para muitos no passado era considerado uma atitude saudável, natural, hoje é cercado por um grande apelo para aplicações de botox, cirurgias, etc. Se antes imaginávamos os nossos idosos seres sábios, que aproveitavam o passar dos anos para adquirir conhecimento e repassar aos mais jovens, o que vemos hoje são “pseudo-jovens” que passam mais tempo para adquirir a “pseudo-juventude” que perderam do que realmente vivenciando a etapa atual de suas vidas. Não quero aqui dizer que com os anos a pessoa deva descuidar de si, não é isso...pelo contrário, o auto-cuidado é vital e necessário, tem relação com nossa estima. O grande problema é que algumas pessoas perdem o controle e o excesso cria uma pressão tão grande que, ao perceberem que o que desejam não é alcançável, muitos se entregam a depressão e outros tipos de doença psicológica.

Temos que encontrar uma forma de conciliar os grande avanços científicos e tecnológicos com o equilíbrio no consumo dessas ferramentas, de modo que a pressão se torne suportável e não nos tornemos vítimas de um padrão que não nos leva a lugar nenhum. À medida em que envelheço, tenho tido mais consciência do que é a vida e, apesar de ainda carregar minha psoríase, vou aos poucos me libertando de meus fantasmas e já não me cobro tanto. Tenho a impressão de que, para mim, maturidade é sinônimo de leveza e entendimento sobre o que realmente importa. E o que importa não é o que está fora, mas aquilo que já conseguimos internalizar nessa vida.

Roberta.