SINOPSE DA MINHA TERRA.

 

 

 

Crônica.

 

 

 

A minha cidade, esse pequeno feudo, poderia ser considerado um paraíso para se viver, pois aqui inexiste a violência de um modo geral, a não ser um ou outro ladrãozinho “chumbrega” que geralmente vem de fora.

Entretanto, esse paraíso tão propalado não é lá um agradável paraíso, pois temos de tomar sérios cuidados com as serpentes. (fofoqueiras “os”)

Meu Deus!

Que paraíso é esse que têm serpentes.

Todos nesta pequena urbe têm a sua “folha corrida”, acreditem o tal do dito curriculum vitae é de domínio público.

Por certo que não é uma obra ou uma certidão do Poder Judiciário, mas sim uma sinopse da vida de cada cidadão que é tecida pelas fofoqueiras (os).

Aqui temos um ditado muito próprio que diz o seguinte: “Toda beata é fofoqueira e toda a fofoqueira é beata”.

Assim é desnecessário e até conveniente, eu não me alongar sobre esta espécie que por aqui abunda.

A tranqüilidade é tanta que o presídio vive freqüentado pelas baratas ou, por algum bêbado, que passa a noite até curtir a fervura etílica.

Até hoje, eu ainda não entendi porque fizeram essa gaiola.

A cidade é muito aprazível, saudável, quieta, às vezes pacata até demais, e o que é pior, todos se conhecem demais.

As ruas que não são pavimentadas com asfalto, obrigatoriamente são com as lajotadas de concreto.

É um luxo!

Não existem sinaleiras (semáforos), o número de carros é excessivo para o padrão dessa gente, mas temos de entender que existem as financeiras. Também é um luxo.

Enterro (séqüito fúnebre) aqui é muito concorrido e exótico, ainda é tocado “a quatro mãos”, com rezas, ladainhas e cantorias, e com o teimoso sino da Matriz que dá o alarme com o código da morte, isto é, a decodificação da vida.

É simplesmente funéreo, mas muito concorrido.

Interessante, as carolas e as beatas consideram esse desfile fúnebre “muito bonito”, inclusive a minha mãe.

Não posso esquecer desta observação ecumênica.

Explico-me:

A cidade em seu perímetro urbano acolhe mais ou menos quatro mil viventes, assim como também acolhe oito tendências religiosas, sem considerar as benzedeiras.

Disputa-se um fiel assim como se disputa um artilheiro de futebol, ele é em si, um investimento para fazer inchar o bolo do dízimo.

As tendências religiosas: umas pedem a paciência e prometem a salvação eterna, as outras ameaçam os seus adeptos com a ira de Deus e lhes introjetam o temor ao Senhor com gritos raivosos.

Essa gente daqui é de um questionável ecumenismo, pois trocam de religião assim como se troca de camisa ou partido.

As várias tendências religiosas esquecem da teologia amorosa de Deus, é que cada uma tem o seu teologismo próprio, para poder acomodar também os seus interesses próprios.

Tudo aqui é sui generis, atípico e interessante.

Eu creio que é um prato rico e fértil, quem sabe fenomenal, para ser estudado por um sociólogo e um psicólogo analista.

O Comércio é bastante diversificado, mas temos de considerá-lo de qualidade não muito apreciável, isso tendo em vista o grande número de pessoas que fazem suas compras nas cidades vizinhas.

Quando elas não têm o dinheiro ou não podem se locomover para as cidades vizinhas, simplesmente com a maior cara de pau, elas aplicam o famoso fiado aqui mesmo, aquele; “Que Deus te pague”.

 

Devemos também considerar dita atividade, como uma atividade de exploração mercantil de consumo próprio, sem grandes pretensões de um dia se transformar em magazine ou em schopping center de luxo.

Ah, a política ou os políticos aqui também são de caráter sui generis, senão vejamos:

O município é considerado pedinte, não têm recursos próprios, o prefeito vive em Brasília ou na capital do Estado pedindo recursos, mas eles nunca chegam ou se chegam simplesmente somem.

Durante a campanha política todos querem a prefeitura, uma vez eleitos, principalmente o prefeito se depara com a pobreza, aí se sente impotente, cai no “faz niente”, esperando tão somente o fim do mês para embolsar o polpudo salário.

Outros enfoques que se faz necessário uma leve menção.

Ei-los:

Sabidamente o ócio aqui é uma, digamos uma atividade cultuada com toda a dedicação e esmero.

A maior atividade exercida é a da pesca, então a práxis de vida é a seguinte: da casa ao mar, do mar a bodega.

E como é uma atividade perseverante, teremos de acrescentar o seguinte: da bodega ao cemitério.

A apatia é endêmica, talvez um arquétipo coletivo, o consumo de psicotrópicos ou psicodélicos legais é exagerado, e as drogas não legais também são fartamente consumidas, essas são naturalmente e totalmente psicodélicas.

As meninas se casam muito cedo, mas quando isso não acontece, elas se prostituem; vão para a capital em busca de trabalho e aventura, depois geralmente voltam com um filho (a) no colo.

A densidade populacional senil é muito grande, não existe uma estatística confiável, mas com toda certeza deve girar em torno de oitenta por cento.

O número de óbito é elevado, as farmácias prosperam, as tendências religiosas abundam e as funerárias brotam.

Isso é sinal de senescência, muita cachaça e muito psicotrópico.

 

 

 

 

Obs.: Dicionário

1 - Chumbrega: Ordinário, vulgar.

Eráclito Alírio da silveira
Enviado por Eráclito Alírio da silveira em 09/01/2007
Código do texto: T341514