PELA PAULISTA DOS CENTO E VINTE ANOS

Qual um real conto em fábula:

Em meio ao cotidiano das esquinas Natalinas, de repente, vinda sei lá de onde, ela surgiu ali na calçada, entre o trânsito agitado e as intensas luzes piscantes, a nos encenar uma rapsódia rápida aos transeuntes da Paulista.

Do meu carro eu a enxerguei de longe, uma figura esguia e exótica que mais me parecia recém saída dos contos das fábulas.

Como destoava do cenário comum eu lhe fitei curiosamente como alguém a meticulosamente inspecionar algo muito insólito e foi assim que a pude perceber balbuciando algo consigo mesma num discreto gesticular de lábios, algo dito para dentro, qual àqueles ventríloquos que comandam a fala dos seus caricatos bonecos.

Estacionada como uma guarda suíça próximo ao semáforo da faixa de pedestres ali ela se equilibrava com certa dificuldade em elegantes saltos dum Chanel em verniz preto, vestida numa justíssima saia de linho bege que lhe encobria as canelas a combinar seu clássico visual com uma delicada camisa de seda que cedia ao seu frágil colo o arremate dum comportado laço em gravata da mesma fazenda em azul celeste.

Sua cabeleira era o que, de longe, mais a personalizava: homogeneamente alva, longa e farta tocáva-lhe seus ombros como se a alertasse a todo momento da ação imperiosa do tempo chegado, todavia passado.

Segurava sobre si, sob o escaldante sol do meio- dia que derretia o asfalto da Paulista, uma sombrinha de sintético branco que a fazia reluzir qual uma aréola angelical advinda dos céus.

Assim que me aproximei imediatamente parei o automóvel para que ela atravessasse seguramente pela faixa, porém ela parecia me sinalizar algo com suas trêmulas mãos.

Quando olhei ao lado, ela saltou para dentro dum confortável táxi e seguiu adiante pela Paulista dos inacreditáveis cento e vinte anos.

Foi quando conclui a mensagem final da rapsódia que ali nos fora declamada: nem mesmo a tão ágil Mary Poppins resistiria ao tempo.

Nota do autor:

Verídico.