A MATILHA ACUADA

“A Justiça não tem jeito porque ‘lobo não come lobo’"

Aliomar Baleeiro1

Bastou um uivo mais forte de uma loba rebelde pra matilha entrar em polvorosa.

A declaração – que todo mundo já sabia, mas temia falar – de que “há bandidos escondidos atrás da toga”, dada à imprensa, em setembro/11, pela corregedora nacional de justiça Eliana Calmon foi o suficiente para que a matilha, digo, a corporação judiciária brasileira, formada por instituições, como AMB (Associação de Magistrados Brasileiros), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e AJUFE (Associação dos Juízes Federais do Brasil) saísse em defesa da nobreza togada, iniciando uma campanha sórdida pelo linchamento moral da corregedora.

Pela reação dos outros lobos, inclusive o presidente do STF, César Peluso, até parece que a ministra cometeu uma blasfêmia. Se fosse nos tempos da Santa Imposição, digo Inquisição, não tenho dúvidas de que o destino dela seria a fogueira ardente.

Chega a ser patética e mesquinha a reação corporativista do Judiciário brasileiro contra a simples declaração de uma ministra sobre um assunto que nunca foi segredo pra ninguém. A corregedora nada mais fez do que, na qualidade de ministra do Judiciário, assumir publicamente o que todos sabemos que acontece: a corrupção em todos os poderes de nossa carcomida República.

De fato, os homens de capa preta (em sua absoluta maioria) se acham mesmo semi-deuses, seres intocáveis e acima de qualquer suspeita. Corrupção no Brasil é coisa apenas dos reles mortais ocupantes dos cargos eletivos dos poderes Executivo e Legislativo. Se não é assim que se sentem, por que a reação tão furiosa contra a simples declaração de uma colega de trabalho?

A verdade é que a dinastia judiciária brasileira se sentiu ameaçada e, agora, está acuada, sem saber como domar a loba rebelde que, no dizer de Maria Cristina Fernandes (Valor Econômico), “viu que dificilmente daria conta da matilha sozinha, aí decidiu botar a boca no trombone e uivar alto.”

É importante, aliás, imprescindível à saúde da democracia republicana que jamais esqueçamos que, nesse sistema político, todo o poder emana do povo. TODO; não apenas o Executivo e o Legislativo. O fato de juízes, desembargadores e ministros não serem eleitos pelo voto direto não pode significar que eles são inalcançáveis pela mão da lei, muito menos que estejam acima do bem e do mal ou fora de qualquer controle popular. Se o poder emana do povo, este tem o direito de saber o que se passa em todos os poderes. Por isso, como já dissera Lula, “é preciso abrir a caixa preta do Judiciário brasileiro”.

A matilha está acuada, mas já sinalizou que não vai deixar barato. Os nobres de toga desmoronarão os céus e revirarão a terra para defender o corporativismo e continuarem como os intocáveis.

Essa é a hora – se é que já não passou! Cabe a sociedade decidir se vai se unir à loba rebelde por um Judiciário decente e confiável ou a deixará, em seu uivo solitário, ser engolida pela matilha, continuando a bater lata só na frente dos palácios de governos e nas casas legislativas; como se ficha limpa e prestação de contas não fosse um dever, também, de juízes, desembargadores e de ministros das cortes superiores de justiça.

1Ex- deputado federal e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal.