Na Pizzaria
Resolvi jantar fora. Diversificar. Nada de extremamente diferente, porém, apenas comer um broto numa pizzaria perto de casa. Perguntei pra minha mãe se ela estava afim de comer e, com ela respondendo positivamente, fiquei de trazer uma pizza pra casa.
No caminho, encontrei um amigo e fomos até lá. Pizzaria humilde. Na casa do próprio pizzaiolo. Um salão com umas toalhas de mesa de aparência velha com aquelas cadeiras de marca de cerveja. Cardápio com alguns erros de português, essas coisas...
Escolhemos uma mesa qualquer. O lugar estava vazio. Queríamos colocar a conversa em dia. A atendente ficou passando pra lá e pra cá juntando alguns pratos e copos e limpando algumas mesas com um pano de prato encardido. Era como se não estivéssemos lá. Passados alguns minutos, pedimos o cardápio. Ela trouxe na maior má vontade do Universo e jogou a porcaria na mesa sem olhar na nossa cara e foi atender o telefone. Trocamos um olhar desconfiado e desviamos a atenção para o cardápio. A atendente estava debruçada numa espécie de janela com o arrimo dos cotovelos; as mãos no queixo com uma expressão de tédio no rosto.
- Vou lavar as mãos, calma aí - falei pro amigo.
- Beleza.
O banheiro era uma privada marrom e uma pia marrom num cubículo minúsculo. Uma parede de pouco mais de dois metros de altura separava o banheiro do forno. Lembrei-me de uma aula de Biologia num passado bem distante. Algo relacionado ao fato de que, quando damos descarga, os coliformes fecais saem flutuando e eles não são nenhuma exceção em relação à Lei da Gravidade e, logo, caem. Em cima da nossa escova de dente, do nosso prestobarba. Da nossa massa de pizza...
Fazia calor. Fiz o que tinha que fazer e me virei pra lavar as mãos. Não tinha sabonete. A toalha estava úmida e mal cheirosa. Saí de lá e voltei pra mesa enxugando as mãos na bermuda.
- Pediu? - perguntei.
- Ainda não.
A atendente continuava apoiada nos cotovelos com sua cara de merda. Ficamos olhando pra ela. Como ela não fez menção de se mover, levantei o braço. Ela piscou o olho esquerdo e estalou o polegar da mão direita. Tais movimentos foram quase imperceptíveis.
- Vou lavar as mãos lá, pede aí - Anunciou meu companheiro de tentativa frustrada de janta.
- Bom, pede pra essa vaca aí, já que o banheiro é no caminho - falei.
- Tá.
Ele falou por alguns segundos com ela e foi ao banheiro. Esperei.
Ele volta enxugando as mãos na camisa. Começamos a conversar sobre a vida. Garotas, livros, amigos, feriado, essas coisas.
A atendente surge com os pratos e os talheres. Deixa na mesa, dá as costas e depois volta com o refrigerante e com os copos.
Parecia um momento de paz, até que ela abre a boca e fala:
- Tá muito silêncio, né? - Sorriu. Algo impressionante, ela sorrindo. A atenciosa moça foi até onde a televisão estava, puxou uma cadeira, subiu nela e depois colocou um pé na mesa e ligou o maldito aparelho. Colocou na RedeTV e aumentou o volume. Passava o programa Pânico na TV.
Os brotos chegaram logo em seguida. Ficamos comendo em silêncio. Nosso silêncio, já que a merda do programinha infeliz continuava tocando/parodiando Lady Gaga, Justin Bieber, PaPanamericano e todas as merdas do tipo que você é praticamente obrigado a agüentar em tudo quanto é lugar que você vai já que, né, eles não fazem mais do que retransmitir o que o acéfalo povinho de visão ampla tanto consome, ostenta, promove, reproduz, compra e etc.
- Rafa, já pede lá a pizza pra levar, pra ir adiantando...
- Vou pedir - E na hora que falei isso, vi o pizzaiolo saindo do banheiro. Durante 2 segundos que pareceram uma eternidade - tamanha a profundidade da minha reflexão - relembrei meus momentos no banheiro. Ele deve ter ido lá mijar. Provavelmente assoou o nariz. Não tinha sabonete. Ele molha as mãos apressadamente e as enxuga naquela toalha úmida de cheiro rançoso e sai apressado pra voltar pro seu ofício. Modelar a massa, pegar a musserela e espalhar em cima do molho de tomate, distribuir as rodelas de calabresa, salpicar o orégano em cima de tudo, jogar cebola em rodelas, colocar as azeitonas... Enfim, tudo o que não pode ser feito com os pés e que por isso fazemos com as mãos, sabe?
Meu devaneio foi interrompido.
Não pelo volume da televisão.
Não por morder uma pedrinha.
Não pelo broto estar apimentado.
Não por um "ouviu, caralho?" do meu amigo.
Imagine aqueles sambistas negros vestidos de branco rodando um pandeiro com o dedo indicador.
Imagine aqueles malandros da escola rodando um caderno de vinte matérias com o dedo indicador.
Imagine um jogador de basquete rodando a bola com o dedo indicador.
Imagine um pizzaiolo rodando o seu delicioso broto com o dedo indicador.
Agora imagine esse mesmo pizzaiolo saindo de um banheiro porco que não tem sabonete e tem uma toalha imunda e úmida para enxugar as mãos mal lavadas voltando para o seu posto de trabalho; posto este que tem todos os ingredientes disponíveis para preparar (com as mãos; mãos que contém dedos) dezenas de pizzas, dezenas de sabores de pizzas por dia, todos os dias; sim, agora imagine esse seu querido pizzaiolo ENFIANDO O DEDO NO NARIZ E GIRANDO COMO SE FOSSE UM PANDEIRO, UM CADERNO DE VINTE MATÉRIAS, UMA BOLA DE BASQUETE; E agora imagine ele rodando O SEU BROTO COM ESSE MESMO DEDO!
Fiquei meio descrente olhando aquele efêmero acontecimento. Ainda consegui ver nosso grande herói passando o tal dedo no avental e as costas da mão no nariz.
- Hein, arrombado, pede a pizza lá pra ir adiantando - Insistiu meu amigo.
Contei pra ele o que vi. Pedimos a conta e quando fomos pagar ficamos observando a maestria do pizzaiolo com a massa e com os ingredientes. Numa última olhada ainda pude observá-lo coçando a bunda com uma mão e rodando a massa da pizza com o dedo indicador da outra...
E ainda levei esporro da minha mãe por não ter trazido a pizza.
02/01/2011 - 19h51