a lascívia - ensaio
Quando o pastor perguntou o que era lascívia, ela mexeu os lábios pintados de vermelho-amorzinho, gesticulando num frêmito imperceptível às outras ovelhas, sussurrou: "sei lá!". Ironia das ironias! Como aquela ninfeta, cheia de inclinações para a sensualidade, com seios que se insinuam e nos confundem, desencaminhando-nos da senda virtuosa da igreja, não poderia saber o significado de "lascívia"?
Adiante o pastor fez o favor de explicar à todos, com as palavras que convinham ao sermão, o significado da palavra: "desejo irrefreado por sexo" e completou afirmando que esta era um dos frutos da carne em contraponto aos frutos espirituais (non dubitandum est). Não preciso esclarecer à vocês, leitores, que eu um literato, de meia pataca é vero, sabia desde antanho ao que aludi tal palavra.
Alguns acasos (como este) são dignos de constarem em obras intelectuais de escritores de melhor estirpe do que a minha - a ninfeta estava dispersa durante toda a pregação, baseada nas crônicas bíblicas, no preciso momento em que o pregador perguntou, aumentando o tom da voz aguda "alguém aí sabe o significado da palavra lascívia?" óbvio que na platéia de crentes não houve resposta a esta pergunta retórica "é de comer, cheirar, beber?" continuou com sua eloquência de professor. Eu, por uma intervenção angelical, me contive para não gritar "sim, sim, sim, pode-se comer, cheirar e beber a lascívia".
Como na fábula de Leonardo Boff em que a águia, criada como uma galinha durante anos, é levada por um naturalista ao cume de uma montanha para que seus olhos de águia se encham da claridade do sol e vislumbre a vastidão do horizonte e assim voar soberana para o alto, cada vez mais alto...a mocinha deliciosa deve ter vislumbrado a vastidão da carne e do sexo como se fosse da sua genuína natureza ao escutar LAS-CÍ-VIA.
Me olhando de volta, reparou que a desejava com meu olhar de pedinte, mexeu os cabelos cacheados e ajustou a blusinha branca, os seios balançaram, causando-me "sensação", apertei a bíblia contra o peito para não perder a salvação.
dez/2011 (a data é para copiar Anton Tchekhov)