“Na roda do samba”.


Embora casada Ana Beatriz, não se conscientizava dos seus deveres.
Seu marido Zé Cido, era um trabalhador nato.
Quando solteiro participava das rodas de samba e sambava bem.
Sambava e dominava um pandeiro como poucos.
Às vezes, alegre por um bombeirinho, ou uma caipirinha, dava verdadeiro show.
Em um desses momentos encontrou Ana Beatriz.
Na verdade não foi ele, foi ela que atacou e conseguiu acorrentar o coração do Zé Cido.
Muita gente se achasse sua identidade não associaria o nome à pessoa, Jose Aparecido de Amaral Peixoto, mas se falasse Zé Cido. Ah! Aquele do pandeiro? Sim todos conheciam.
Pois bem Zé Cido, casou de coração, porque na comunidade Pedra Polida, coisa difícil era você ver algum que casou com padre, véu e grinalda.
Minha avó casou, sim,... mas eram outros tempos.
Então formaram dupla, em cada cantinho, escurinho, sei lá encontravam Ana Beatriz, dando um malho no Zé Cido.
O pessoal até dizia que o homem era ela e outras brincadeiras.
Mas Zé Cido não ligava, agora a vida mudou, foi para outra e em brevíssimo tempo estava com a casa arrumada e montada, simples sim, mas com todo conforto que se poderia ter na comunidade.
Nos sábados ele não conseguia ir mais a quadra, estava arriado, mas ela não.
A primeira vez foi com o vizinho, depois sozinha, só para olhar.
Depois dançou, mas com conhecido.
Depois com desconhecido, mas cavalheiro que a te a levou para casa.
Aí o bicho pegou, e o pessoal é fogo vê tudo.
Começou a conversinha, que Zé Cido tinha chapéu de touro.
                           A primeira conversa.
Quando foi chamar a atenção quase que apanha, porque o errado era ele, de dar atenção às maledicências.
Ela só ficava em casa e quando ia olhar o pessoal na quadra, já caia na boca do povo.
Ele como marido, devia pegar o linguarudo e fazer parar.
Ele viu que ela tinha razão e calou a boca.
Saindo vencedora, até para devolver o agravo ficou mais peralta ainda.
Agora o marido não disse nada, mas foi atrás e tudo ficou as claras.
Depois de passar por todos os becos escuros com belo rapaz, foi para o barraco.
A vida estava muito boa, casa comida e roupa lavada, marido bom e amantes bons.
Quando entrou em casa ela ria.
Tomou um tapa na nuca que atravessou o pequeno cômodo e caiu sobre o fogão.
Lá pegou uma peixeira e virou contra o inimigo, digo marido.
Mas faca para ele capoeirista e estivador, não era nada.
A faca voou longe, depois veio o castigo.
Ela apanhou como nunca, nem seu pai batia tão bem.
Logo cedo saiu com uma trouxa de roupas e foi à bica lavar.
O marido foi junto.
Ela caminhava devagarinho, parece que carregava a cruz de Cristo.
Sua cara bonita, parece que havia sido atropelada por um lotação.
Os dois olhos estavam roxos, o cabelo sempre bem cuidado e as unhas enormes, nunca lavava nem uma peça de roupa, pois estragaria, lavou tudo.
O cabelo ficou escondido por um lenço de pano e tinha várias unhas quebradas.
Lavou roupas até meio dia, depois levou tudo de volta sempre escoltada pelo marido.
Fez almoço e comeram do lado de fora, ela só servia, não almoçou.
Após ele pegou suas roupas colocou em uma pequena sacola e foi embora, ela chorava copiosamente.
Dizem que ele embarcou em um navio de gringo e desapareceu.
Ela ficou no barraco por alguns dias, depois desapareceu também.
Diz o povo que ela se matou e Zé Cido mora no exterior.
Outros dizem que moram juntos em outra comunidade e tem até filhos.
Aí surgem mais histórias, nenhuma digna de relato.
Só que parece que a dor de chifre de Zé Cido foi grande.
E a dor do marido traído passou para as costas de Ana Beatriz, que nunca mais foi vista em rodas de samba.

                                           Oripê Machado.



Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 27/12/2011
Reeditado em 14/01/2012
Código do texto: T3408436
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