Biblioteca e leitura: eu vou, e você?
Por motivo das festas de fim de ano, a biblioteca pública de Campo Mourão está fechada. O que, confesso, é um tormento para mim, um concurseiro errante que fica agora sem lugar ou livros próprios ao estudo até que ela retorne a atender, lá pelo dia seis de janeiro.
Mas o tormento não é só por uma frustração de ordem prática e racional. É que eu adoro ler, seja o que for. E adoro, sobretudo, essa invenção chamada biblioteca. Tem algo naquele silêncio institucionalizado e perfumado de livros que me agrada enormemente. E tanto agrado me deixa incrédulo dianta da constatação que poucas são as pessoas em Campo Mourão que fazem da leitura, ou da visita à biblioteca, um hábito – e digo isso com a legitimidade de quem vai todo dia, quase o dia inteiro, achatar a bunda lá naquelas cadeiras.
Uma pesquisa interessante (em http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/dados/anexos/48.pdf) mostra que esse desapego da leitura não é exclusivo daqui. Na verdade, os números indicam que a maioria das pessoas não usa bibliotecas, e também não tem na leitura a principal atividade em seu tempo livre – ela está em quarto lugar, bem distante da esmagadora liderança do 'assistir TV'. O curioso, ou não tanto assim, é que a mesma maioria reconhece que a leitura é positiva, reforçando aí a mais típica característica da espécie humana e sua consciência: o dizer/defender uma coisa enquanto faz/pratica outra inteiramente diversa.
Mas o que mais chamou minha atenção na pesquisa foram as associações feitas com a leitura. Sabedoria, conhecimento, desenvolvimento cultural, ou então um genérico 'algo importante', foram apontados. Já o significado dela que mais foi invocado foi o de constituir uma 'fonte de conhecimento para a vida'. Credo, quanta responsabildiade no ato de ler! Mais um pouco e a leitura apareceria quase ritualizada; deve-se lavar as mãos, jejuar e não pensar em nada mais quando se abre um livro.
Creio que essa seriedade exagerada sobre a leitura afasta os possíveis leitores e talvez tenha sua origem na forma com que as escolas tentam desenvolver o gosto da leitura. Folhear as páginas dum livro, duma revista ou do que quer que seja, não é necessariamente com o objetivo de tornar-se uma pessoa melhor e mais apta a esse mundo tresloucado. Pode ser, talvez, simplesmente uma prazerosa escapatória desse mundo tresloucado, uma brecha de paz e calmaria; e não há nada de errado em escapar assim. Deixemos o 'algo importante' da leitura para mais tarde, pois certamente ele virá e muito possivelmente nem será percebido.
Sobre o prazer também vale notar que poucos dizem encontrá-lo enquanto se lê um livro. E vale notar, sobretudo, que as crianças é que mais associam prazer e leitura. E são elas ainda que mais leem em nosso país – mas vão deixando de ler enquanto crescem. Há aí mais um dos perversos atrofiamentos a que somos submetidos(e submetemos a outros, claro) conforme cruzamos as intrincadas malhas da vida social?
A biblioteca de Campo Mourão tem seus leitores frequentes. Uns atrás de jornais, outros atrás de revistas, e alguns atrás de livros. E eles saudavelmente batem carteirinha lá quase todo dia. Mas constituem uma pequena fração de vencidos, pois o cenário habitual aqui é o mesmo de outras tantas bibliotecas: mesas vazias e livros(bons e reconhecidíssimos livros) que não raro datam seus poucos empréstimos em passadas e bem espaçadas datas.
Esses dias atrá senti-me fazendo parte da história da cidade por emprestar um livro que foi pegado, pela primeira e última vez, em 1988, e imaginei que talvez só daqui a uns vinte anos um outro cidadão o pegue novamente, talvez sentindo a mesma sensação difusa de inedetismo que senti. Pois é, lamentável assim.