Ao Menino que volta
Querido Menino nascido na gruta de Belém.
“Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo”. Segundo o evangelista Lucas (Lc 2,10), foi assim que, naquela noite, um mensageiro celeste comunicou a pobres pastores o teu nascimento. O inesperado anúncio revestia para o mundo tamanha importância que o seu portador logo recebeu a companhia de “uma multidão do exército celeste, cantando a Deus” (id13).
Foi a última vez que os pobres ouviram uma boa notícia. Se é que, acaso, tenham ouvido alguma, em ocasião anterior a essa noite. Já lá se vão vinte séculos. Desde então, tudo o que os pobres vêm recebendo são notícias ruins.
Não há vaga na escola, a educação oferecida é de péssima qualidade, o serviço de saúde é um descalabro, o remédio está pela hora da morte, conseguir casa para morar é desejo irrealizável, desemprego virou o pesadelo de todas as noites, para quem consegue trabalho o salário não cobre as necessidades básicas, o transporte sobrecarrega o orçamento familiar, a violência campeia por cidades e campos, os dirigentes da Nação não inspiram confiança...
Que alegria o teu nascimento trouxe para os pobres?
Vieste para implantar o Reino do teu Pai. Mas será que alguém estava interessado? Quem acreditou na tua pregação? Só alguns coitados, aqueles que jamais conseguem chegar perto dos botões do poder. Que dirá, então, apertá-los.
De um jeito muito claro o rei Herodes mostrou o que ricos e poderosos pensam sobre ti. Para eles representavas e continuas representando uma ameaça. Por isso, fizeram e continuarão fazendo tudo o que estiver ao seu alcance para que ninguém te leve a sério. Já que não conseguiram impedir teu nascimento, tramam então teu descrédito e tua morte.
Como ingênuo elemento do folclore, útil na decoração de ruas, lojas e casas, aquecendo vendas que avolumam lucros da indústria e do comércio, para isso conservas alguma utilidade. Para o cargo de amável funcionário a serviço do marketing das lojas ainda te aceitam. Se te amoldas a esse script, serás sempre bem-vindo. Ninguém é doido de desprezar o doce apelo que, nesta época, despertas na criançada, promissora faixa de clientes mirins, há pouco descoberta e mais consumista a cada dia.
Passado, porém, o período natalino, será bom que te recolhas ao interior dos templos, aonde vão procurar-te aqueles que não decidem os destinos do mundo. Dá um jeito de consolá-los com a esperança de uma felicidade futura. Porque, nesta terra, continuarão, sem êxito, a desejá-la.
Neste mundo, felicidade sem dinheiro é impensável. Entramos, de vez, na cultura forjada pela globalização. Este é o tempo da eficácia do técnico e do científico. A cobrança de resultados imediatos invade todos os espaços. O mundo real é o palpável, sujeito à manipulação. O mundo do aqui e do agora. Quem não for competitivo não se apresente. Será descartado sem dó.
Teu nascimento foi transmitido como boa notícia para os pobres. Para os ricos, de fato, não foi. Jamais haveria de ser, como o comprova a História nestes dois mil anos desde a tua vinda.
Só os pobres são capazes de aceitar que o Senhor do Universo renuncie ao esplendor da glória divina para se tornar um pobre como eles.
Mas pobre não tem condição de mudar em nada este mundo.