Ana
Os passos se tornavam cada vez mais vagarosos na areia. E o vento espalhava pelos ares os cabelos castanhos. Os olhos escondidos por detrás de lentes escuras, filtravam do horizonte aquela dispensável luminosidade das 5 da tarde.
A cidade ficava do outro lado daquela imensidão de águas inquietas. E já se podia ver ao longe, as luzes que se acendiam, mas felizmente, sem nenhum barulho, a não ser o do mar.
O tecido fino envolvia os braços brancos de Ana. E ela tentava segurá-lo, antes que o vento o levasse para longe. Um tecido tão fino e tão leve, que era quase uma ilusão de proteção. Um presente dado por um amigo distante, que não se sabia ao certo do paradeiro. Mas se estava vivo ou morto, não importava.
Os poucos pássaros passavam de vez em quando, fazendo seu característico barulho. E Ana se assustava todas as vezes.
Subindo mais um pouco em direção ao rochedo, ela se deteve, como se tivesse chegado onde queria. Olhou longamente o fim do dia, que se arrastava para os confins do mar como um velho preguiçoso. E ela não pensava em quase nada. Tudo o que obrigatoriamente teria de pensar, estava bem distante dela, na cidade que agora ela percebia como uma faixa colorida bem longe.
Ana acreditava que estava só. Acreditava que tudo havia ficado lá do outro lado do mundo. E que ali estava apenas ela e sua sombra gigantesca, completamente deformada pelas reentrâncias do rochedo. Não estava nem feliz nem triste. Apenas quase inanimada, quase dormindo, quase indiferente.
Quase hora do Ângelus. O sol se ocultava inevitavelmente, e a escuridão começava a tomar conta da praia, e o cheiro da maresia se tornava quase que um daqueles aromas que trazem a saudade.
E quando o sol terminava sua retirada, o homem se aproximou de Ana. Olhou longamente aquela frágil mulher de costas, que tentava se proteger com um tecido quase invisível e com os cabelos despreocupadamente esvoaçantes. Quis estar mais perto, mas faltava a coragem. Faltavam as palavras certas. Faltavam as certezas.
Mesmo assim, desconhecendo o que estaria por trás das primeiras palavras, ele chegou mais perto. Tocou o ombro de Ana e era como se tudo aquilo fizesse parte de seu próprio corpo. Com se o passado houvesse sido apenas inventado ou mentido.
Sem voltar sua cabeça para trás, e apenas contemplando as primeiras estrelas da noite através das lentes escuras, ela falou:
-Você me seguiu.....
Ele ficou mudo um tempo. Depois que sua voz se libertou da garganta como que amarrada, ele confirmou.
-Sim. Eu a segui desde que a vi vindo para cá.
Ana continuava contemplando o infinito sem respostas. E este era como aquelas músicas sem solução, feitas para entristecer. Feitas para imitar a voz da criação. E naquele momento, sem ter o que fazer diante do inevitável, ela se voltou para o homem e disse:
-Até onde você acha que isso vai, Luciano?
-Ainda não sei. Mas se me pedir para ir embora, eu vou.
Ana voltou seus olhos novamente para o firmamento que parecia expelir estrelas de uma caixa escura. E nada ali poderia responder por ela.
Ana retirou seus óculos, e revelou seus olhos grandes e tristes. Eles passaram a refletir o céu e as distantes luzes da cidade.
Luciano permanecia imóvel, como uma estátua, com o coração pulsando desesperadamente.
Tudo era escuridão. E Ana não via nada além do mais profundo abismo no céu, povoado por pontos histéricos. Se voltou novamente para Luciano e percebeu seus olhos inquietos, como quem espera uma resposta simples para uma pergunta sem solução.
Ana apenas esperava. Por alguns instantes, sentiu claramente que aquele não era um ser vivente e sim um fantasma. Mas como poderiam os fantasmas tocarem e se fazerem sentidos? Sim, era gente em preto e branco. Era o que havia de real naquele momento feito de sonhos antigos e lembranças mal resolvidas.
Ela levou a mão em direção ao peito de Luciano e olhando longamente seus olhos, perguntou:
-Você está preparado?
Luciano tocou sua mão. Frias. Não pôde responder nada.
E a luz dos olhos dos dois se apagou, deixando a praia na mais profunda noite. Havia apenas o som. Como quando se deu a invenção do mundo.