CAMILA MATOU SIM O YORKISHIRE, MAS TODO MUNDO TEM UMA CAMILA DENTRO DE SI

"Em qualquer comunidade civilizada,

cada homem ou mulher

tem escondido no seu âmago uma história criminosa"

EDGAR WALLACE

Pronto, é simples, sou contra qualquer preconceito e pré julgamento moral. Acho hipocrisia, nóS, que, comemos bife assado, fruto de um boi trucidado, que morreu com uma machadada na cabeça e ficou se estrebuchando, julgarmos um mulher que matou um cachorrinho trucidando-o tembém.

E que fique claro, eu não a apóio, só estou mostrando que somos tão cruéis quanto ela. Pior, somos mais cruéis, pois o ato de comer bife de um boi que foi morto fria e impiedosamente se torna uma coisa normal, costumeira e cultural; assim como quando passa a ser normal e cultural engordar um porco, capá-lo e matá-lo a pauladas para satisfazer a gula e os prazeres humanos.

E os perus de Natal, os caranguejos que vivos vão á penela de água fervente...? Desse jeito, a analogia que faço é como se um serial killer estivesse criticando um antropófago. Isso sim é hipocrisia.

Pesquisa lá como se faz um patê de foie gras (fuagrá)... Uma comidinha grã-fina que só serve para saciar o desejo escarnecedor de quem quer ser chique. Pesquisa lá... A antropofagia está mais presente no cotidiano humano do que se imagina.

Frise-se, eu não estou defendendo a enfermeira Camila, apenas estou mostrando que somos tão ‘imorais’ quanto ela. Pois o cerne da questão e da problemática, não gira se o animalzinho que morreu é o que se come ou não se come, na verdade, o populacho se indignou com a forma como o cachorrinho foi morto. E eu estou dizendo que o animalzinho que está todos os dias em nossas mesas mortos e assados, morrem tão cruelmente quanto o Yorkishire lá. Falta muita informação.

Sendo assim, cada vez que você chegar em um restaurante e pedir um frango á parmeggiana, se lembre que aquele frango foi criado em chiqueiro, amontoado em caminhões velhos, caixotes apertados e degolado nua e cruamente.

Ora, o que vejo, não que ninguém está preocupado com o cachorrinho, mas em julgar moralmente o outro para, inconscientemente, inibir sua culpa de também ser um imoral. Vai lá ver o que é a moral em Schopenhauer e Nietzsche, o que é o crime em Dostoiévski, o purgatório em Dante Alighieri, a ética em Kant, a liberdade em Sartre, a punição em Beccaria e Foucault e a estupidez humana em Ezio Bazzo. Vê lá do que eles trantam... Todo mundo tem uma enorme Camila dentro de si.

Contrário do que todos pensam, a ética não é um regulamento moral, mas uma prescrição necessária e existencial da essência dos fatos. E, por mais fome que tenhamos, nada justifica que os bichos que comemos em nossas refeições sejam mortos como assim o são. Por isso, o conselho que dou antes de criticarem a enfermeira Camila é que um dia vocês criem coragem de visitar o matadouro do gado que está morto e cozido à sua mesa.

E mais, eu não sou vegetariano e como qualquer animal que em nossa cultura merece ser comido, portanto me compete deixar a Camila em paz nas mãos da justiça. Posto que se a lei não for capaz de punir, através dos homens que a faz e dos juízes que a aplicam, todos comedores de carne, pode ter certeza, não será a sua moralzinha frágil e fajuta que irá condená-la.

Ah, acabei de ligar para a lanchonete e pedir um big hamburguer duplo. Agora vai lá pesquisar todo o processo até uma vaquinha virar sanduba. E mais, ainda vou pendurar a conta.