O Natal do progresso
Tenho a sensação de que o Natal está vindo mais depressa a cada ano. Não só eu. Outras pessoas me fizeram a mesma observação. Em nossa infância, o Natal demorava a chegar. Era um custo atravessar o ano, lerdo feito um cágado e comprido como um século. Até percebermos em casa as primeiras providências para o Natal. Nossa fantasia se aguçava. Éramos tomados por esquisita (mas gostosa) excitação. Tratava-se de preparativos extremamente simples. Não iam além da aquisição dos ingredientes básicos, todo ano repetidos, que revestiam de glamour o almoço natalino. Por força da origem espanhola, o pai sempre achava jeito, não obstante a pobreza, de comprar nozes, amêndoas e avelãs. Comparado à austeridade da refeição dos outros dias, aquele era um autêntico banquete para encher de encanto nossa mesa. Um luxo ocasional dos ingênuos roceiros que éramos.
Hoje sei que Natal, do latim “dies natalis”, quer dizer dia do nascimento. Nascimento de Jesus, evidentemente. Na infância, nunca me falaram dele. Natal era só um almoço de festa. Que trazia o encanto da garrafinha de guaraná cuja tampa furávamos com prego para desfrutar por mais tempo do refrigerante único do ano. Por sobremesa o manjar branco em calda de coco, até hoje bem vivo no paladar da memória. Quando pequeninos, até cultivamos a ilusão de ganhar alguma coisa. Como o carrinho de lata, meu único presente de Natal, se bem me lembro. Aos meus três, quatro anos. Não nos ameaçava a dor da inveja. Os vizinhos também nada recebiam. Quando crescemos um pouco, o Natal se restringiu, de vez, ao almoço.
Na roça não dispúnhamos de instrução, de tempo ou de dinheiro. Não passava pela cabeça de ninguém enfeitar a casa com berloques e penduricalhos, que hoje em dia enchem os olhos das crianças e despertam a admiração dos adultos. Nem era possível. Ainda não se produziam as faiscantes bugigangas que a China espalha por todos os cantos do planeta. O gigante asiático era tão somente o palco da “Grande Marcha” de Mao-tse-Tung.
Observando a maneira como hoje se prepara o Natal, me sinto um alienígena descendo da nave em planeta estranho. Nada me parece familiar. É o período em que evito sair às ruas. Especialmente à noite. Há tanta gente correndo apressada ou andando como lesma que esbarrões acontecem aos montes. Atrás de que as pessoas se agitam com tamanha ansiedade? Que atração exercem as vitrines iluminadas dessa época?
Não posso esconder que, pelos critérios atuais, passei minha infância num atraso de fazer dó. Em total ignorância e desinformação. Hoje, criança de cinco anos acumula mais conhecimentos do que eu aos doze ou quinze. Precisei de sessenta anos para pôr os pés num shopping, onde qualquer pirralho se sente mais a gosto do que os da minha idade.
Uma dúvida, porém, me incomoda: alcançamos deveras melhor qualidade de vida? O dito progresso não será apenas um amontoado de facilidades maiores e de mais sofisticados equipamentos? Ciência e técnica, por si sós, não se mostram capazes de tornar melhor a vida humana. Campanhas luminosas e barulhentas não garantem um Natal feliz. Falta o principal: cadê o aniversariante? É absurdo fazer tanto escarcéu pelo Natal, ao mesmo tempo em que se ignora o dono da festa. João está certo: “Ele veio para o que era seu, mas os seus não o acolheram” (Jo 1,11).