SAUDADE II

“Saudade é a vontade de ver de novo” Ivanildo Villa Nova – Poeta repentista – Pernambucano.

A cada janeiro, quando se encerravam as férias coletivas dos Departamentos de Vendas e de Marketing, eu que era do Administrativo, entrava em férias e geralmente saía viajando com o colega do Departamento de Transporte, que depois foi rebatizado com o nome pomposo de Logística, cuja principal atribuição, naquela altura do ano, era rastrear as mercadorias do período natalino que não haviam sido entregues aos clientes destinatários.

Portanto nosso roteiro dependia do inserviço das transportadoras e, graças a elas, tive a oportunidade de conhecer locais e pessoas maravilhosas, brasileiros como nós, que nos franqueavam as residências e recebiam-nos como se fossemos parentes queridos a visitá-los.

Além dos colegas de trabalho sediados nos diversos Estados da área de atuação do nosso escritório, conhecemos clientes e tipos populares (muitas vezes folclóricos, como Seu Lunga do Juazeiro do Norte/CE), desde a Bahia até o Pará.

Geralmente no dia do início das férias, o colega chegava à minha porta, no fusquinha branco, perto das cinco da manhã.

Depois de um café rápido, ganhávamos o mundo para só retornar quando o roteiro estivesse terminado. Essas viagens podiam demorar toda a semana ou mais, bem mais... E enquanto o colega trabalhava, eu turistava.

Alagoas (em minha opinião) tem sem sobra de dúvida as praias mais bonitas do mundo, entre elas Barra de S. Miguel. As cidades antigas como Porto Calvo (que é o berço do meu ramo familiar paterno) Piaçabuçu, Porto Real do Colégio, Penedo que testemunham a ocupação do Estado a partir da foz do Velho Chico.

Em Sergipe, andamos na estrada conhecida como “João, bebe água!” que liga Aracaju a São Cristóvão (antiga capital). Os laranjais em flor inundavam de aroma o belo cenário sob o sol escaldante de janeiro.

“Sorria, você está na Bahia” é o slogan que explica o eterno bom humor do baiano que valoriza sua terra, seus costumes, gastronomia e tudo mais que forma o conjunto cultural daquele povo amável e hospitaleiro. Caminhar nas ruas da Salvador antiga é como estar em Olinda, Ouro Preto, Tiradentes ou São Luis... É um mergulho no Brasil colonial com o casario impregnado de história e tradição.

Sentar no restaurante escola do Pelourinho é dar asas ao satanás da gula e sair de lá com a certeza de que no estômago não cabe mais nem um gole de saliva.

É a concretização do superlativo absoluto porque estamos mais do que “cheiíssimos”. Visitar o Mercado Modelo e depois subir, a pé, a colina sagrada para visitar e fotografar a Igreja do Senhor do Bonfim.

Terezina, capital do Piauí, nada tem de diferente, para mais ou para menos, das demais capitais brasileiras, por onde passamos se mostrava organizada, limpa e quente, tanto no termômetro como na urbanidade de seus habitantes.

No norte do Estado fica - Sete Cidades – o conjunto arqueológico de arenito erodido pela ação eólica, cujas formações recebem os diversos nomes impostos pelas comparações feitas por o nosso cérebro. Cabeça de D. Pedro I, Casco de Tartaruga, Poço da Onça (com água gelada apesar dos mais de 40ºC do ambiente), Gruta do Curandeiro, etc.

Quem for ao Piauí não pode deixar de experimentar Maria Izabel que é o prato típico à base de arroz e carne bovina moída de sabor leve e inigualável, acompanhada pelo refrigerante Jesus. Róseo, doce e saboroso.

Maranhão, pouco há que se falar das demais cidades visitadas, vez que São Luis concentra a cultura e a culinária nos cenários setecentistas. O Forte de Ponta d’Areia na praia do mesmo nome domina a paisagem da ilha de S. Luiz que brilha com o reflexo do sol nas águas serenas do Rio Anil. Noutras praias como Calhau e Araçají come-se nos bares, que o maranhense chama de “base”, o camarão frito acompanhado de cerveja. Eu já conhecia S. Luis e voltar é muito agradável principalmente quando se é bem tratado, como sempre fui, em todos os lugares por onde passei.

Agora, escrevendo essas memórias, posso sentir o sabor do Arroz de Cuchá, do camarão seco expostos em cestos enormes (paneiros) que é vendido junto com a farinha de mandioca, grossa, que é tratada com alguma coisa que faz com que ela fique amarela e com um aroma característico, os bolinhos de peixe, os doces de gergelim e de buriti vendido em caixinhas de madeira.

Assistimos aos ensaios do Bumba-meu-boi de vários “sotaques” e da dança “Tambor de Crioula” que evoca as tradições africanas.

Ceará, desde o Juazeiro do “Padim pade Ciço” até Aracati é uma sequência de imagens deslumbrantes, como a Galinha Choca (em Quixadá) que é uma formação granítica que vista de longe é em tudo semelhante à ave deitada no ninho, o açude de Orós, as praias de Jericoacoara, Canoa Quebrada, Cumbuco etc.

Em Fortaleza a praia de Iracema, a esplanada do Mucuripe onde hoje estão sendo instalados enormes geradores eólicos de energia. O mercado municipal, o Teatro José de Alencar e o Beach Park são locais de visitação obrigatória e onde se pode comer a Farofa de Arraia, o Baião de Dois, o Peixe na Telha e a Paçoca de Carne Seca.

Rio Grande do Norte oferece ao visitante a oportunidade de ver as dunas errantes, o maior cajueiro do mundo, a plataforma de lançamento de foguetes da Barreira do Inferno, a praia de Genipabu e Redinha, cidade minúscula na margem esquerda do Potengí.

Plantações, a perder de vista, de melão e de algodão Seridó, que das espécies de algodão é a que possui a maior fibra, o que lhe confere maciez e plasticidade além das variedades com cores pastel naturais que dispensam tingimento.

Mas existem os esnobes que preferem comprar produtos confeccionados com algodão egípcio que nem de longe pode ser comparado ao nosso.

O Rio Grande do Norte oferece, também, ao visitante a oportunidade de pisar em todos os minerais conhecidos, desde os silicatos ao ouro, passando pelos xistos betuminosos e as pedras semipreciosas.

Não se pode deixar o Estado sem experimentar a Galinha à Cabidela (molho pardo) e a Carne de Sol com Farofa de Jerimum (abóbora).

Paraíba terra do abacaxi, das tradições culturais, berço dos maiores poetas populares brasileiros, da pedra lavrada do Ingá de Bacamarte que testemunha a ocupação da região por povos cuja origem e cultura ainda estão escondidas sob os desenhos rupestres escavados na rocha.

No sertão o Vale dos Dinossauros onde tem até pegada fossilizada de dinossauro e no litoral, o Cabo Branco, apontado para o Continente Africano é o ponto mais a Leste da América Continental.

No fim do dia, na praia do Jacaré ter a oportunidade de ver o ocaso ao som do Bolero – Maurice Ravel – interpretado por um saxofonista, a partir de um barquinho, que desaparece quando a noite cai suave como o carinho da pessoa amada.