Nilda Carvalho Cunha (1954 – 1971)
Quem foi Nilda? O sorriso da foto, a sagacidade do olhar, o ideal romântico, foi menina e guerreira. Não chegou aos 18 anos. Presa em agosto de 1971, foi para a base aérea de Salvador. Sofreu tantas torturas e das mais diferentes formas, tanto estupro, que ao ser libertada no início de novembro, tinha cegueiras repentinas, não conseguia respirar nem dormir, pois tinha medo de morrer durante o sono.
Internada em uma clínica em Salvador, tentaram evitar a entrada do Major Nilton de Albuquerque Cerqueira em seu quarto. Não conseguiram, ali mesmo ele a ameaçava na frente da própria mãe. Deste dia em diante, seu estado de saúde se agravou e foi levada ao Sanatório Bahia, onde faleceu, em 14 de novembro.
Nilda não comia, não dormia, ouvia vozes e via pessoas fardadas em seu quarto; tinha o olhar perdido e chorava junto com desmaios repentinos. O atestado de óbito diz: “Edema Cerebral a esclarecer”.
Major Nilton de Albuquerque Cerqueira – era um dos comandantes da “Operação Pajussara”, que incluía um profundo levantamento da região onde se encontrava Carlos Lamarca; ação que de início contou com mais de 200 homens e na segunda fase mais 63. Todos engajados em prender, torturar e assassinar militantes de Movimentos Revolucionários. Culminando com o êxito no assassinato a sangue frio de Lamarca em 1971.
Enquanto a família de Nilda e tantos outros mais sofriam com suas perdas, o Sr. Nilton era premiado. Vejam:
Em 1974, já Coronel, o Sr. Nilton receberia a Medalha de Bronze do Pacificador com uma palma, por ter participado do aparato de repressão.
Em 1981, comandava a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, quando do atentado ao Riocentro (aquela palhaçada armada pelos militares)
Em 1985 foi nomeado Adido Militar no exterior, cargo ocupado por muitos que serviram a repressão.
Em 1995 foi nomeado Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Ele dorme? Provável que sim!
Mas porque esse assunto agora? Desde muito tempo a tortura mostra seus dentes. O prazer, a satisfação, e porque não dizer, o gozo em violentar, faz proliferar seu lugar nas páginas de notícias trágicas e infelizmente tão reais. As misérias humanas ficam ali estampadas num preto e branco manchado dum vermelho empapuçado de sangue.
Nesta semana, em rede social, para quem conseguiu ver, lá estava uma das cenas mais grotescas e cruéis... E se você, assim como eu, não conseguiu ver ou virou o rosto com repugnância ao assistir uma enfermeira matando seu cachorrinho indefeso, deve ter imaginado ser alguma pegadinha ou mesmo armação.
Não era!
Por outro lado, fico pensando na pessoa que parou ali e ficou filmando o horror... Como pode? Como se ausentou da indignação e continuou dando start em sua máquina, enquanto as barbáries eram repetidas, e violentamente cometidas? Como se deixou fazer luz àquele final? Como não esbravejou ou gritou, fazendo-a parar? Como, como, como?
Vem-me estas perguntas todas enquanto passeio por outras tantas aqui dentro. Penso por exemplo, onde chega a capacidade fria e doente do humano que consegue comprar pão e leite na esquina, distribuir sorrisos educadamente aos vizinhos, enquanto entra em casa e delicia-se em esmurrar sua mulher?
Uma pesquisa realizada em 25 estados brasileiros revelou que a cada dois minutos cinco mulheres são espancadas no Brasil.
Liguem suas câmeras!! Vejam bocas estouradas, dentes quebrados, braços retorcidos enquanto o brutamontes abaixa as calças e; não uma, mas muitas vezes, introduz seu pênis por todos orifícios que por ali achar. Mas não esqueçam de dar um zoom na expressão de prazer atingido pelo algoz.
Holofotes neles!
Vasculhem endereço, CPF, telefone celular, RG, e tudo o mais, assim como fizeram no caso da enfermeira.
Estendendo o tapete da violência, há também aquela que mata e espezinha valores. Todos os dias! É só ligar a TV, ir à internet, ler jornais, revistas, sites de informação... Lá estão! O senhorzinho eleito por milhões de votos está com as cuecas cheias de grana. O juiz é comprado para definir sentenças! O deputado, vereador, prefeito, governador, e os cambal cuja única preocupação no Natal é que tipo de iate vai querer atracado em seu ego medonho, é perdoado por esconder dinheiro público em suas lambanças.
O padre querido da região que bolinava seus coroinhas.
O pai que mata sua filha; o filho que mata seu pai.
O STJ que decide quem manda e quem abaixa a cabeça... O ministro de seu próprio culhão quer que o povo engula suas “leis particulares”.
Eu aqui penso em poesia e em como não me desmemoriar diante dessas “majestosas” invasões diárias, que com efeito conta-gotas ou cachoeira, massacra neurônios, almas, leveza e por que não dizer: Massacra sonhos!
Quais sonhos?
Aquele em que deseja um mundo melhor lá adiante... Para seu filho, neto, bisneto; onde o sorriso seja realmente um SORRISO. Onde as lágrimas sejam realmente LÁGRIMAS. Onde quem governa esteja realmente para GOVERNAR. Quem é eleito para cuidar, realmente CUIDE!
Sonhos simples, mas rasgados e alguns até condenados a não mais existir.
De toda forma, escolhi hoje a história da Nilda (uma menina), pois retrata vergonhas repugnantes de quem foi brutalmente violentada e morta sob o teto da ditadura militar; uma morte que não foi filmada e nem mostrada como se deveria. Mas documentada!
Além de que, a intenção é a de que a amnésia providencial de alguns que viveram sob este regime, possa esfacelar-se. E, claro, deixar com que a minha sanidade, diante da insanidade, não se detenha, tão pouco se constranja e vire o rosto para a impunidade daqueles que andam absolutos por esse nosso país com os mesmos pés que chutaram e pisotearam corpos indefesos, ou ainda, afagam seus queridos, com as mesmas mãos que empunharam facas, fuzis, fios elétricos, paus de araras e tantos acessórios da crueldade psicótica. Esta crônica/artigo é o início de uma investigação particular. Escrever histórias que não foram justiçadas e que propositadamente caem no abismo do esquecimento de quem possa usufruir da isenção de tantas atrocidades.
A psicopatia da enfermeira é, sem sombra de dúvidas, um câncer muito antigo na história da humanidade dos horrores.