SENHORA LÁZARO
Dying
Is an art, like everything else.
I do it exceptionally well.
I do it so it feels like hell.
I do it so it feels real.
I guess you could say I have a call.
(“Morrer
É uma arte, como todo o resto.
Eu sou muito boa nela.
Sou tão boa que dá arrepios.
Sou tão boa que parece real.
Acho que se pode dizer
que tenho uma vocação.”)
Lady Lazarus, Ariel, Sylvia Plath
Está muito frio. Está gelado. Ela tem medo. Tem medo do que passou e do que está por vir. Não sabe o que fazer. E nem exatamente para onde ir. Sentada em frente à máquina de escrever, estática. Nada lhe ocorre. A folha branca é tão misteriosa quanto o pedaço de lua que vê da janela à sua frente.
Levanta. Vai buscar outro café. O caminho parece tão longo até a cozinha. Medo. De novo. Passa pelo quarto dos filhos, que dormem tranqüilos. Ouve suas respirações e também as batidinhas compassadas de seus pequenos corações. Será que sonham? Sim, por certo. Aperto no coração. A idéia é fixa. Não sabe o que fazer. De novo. A idéia vem. E vai. E volta. De novo.
Ela volta para a máquina de escrever. A folha continua branca. A lua continua misteriosa. Parece que o frio vai ficando cada vez mais frio. Não consegue pensar. “Será que meu pensamento está congelado?”. Se estivesse, não haveria mais motivos para estar ali. Sim, ela conclui, “não consigo mais pensar”. Queria sair para ver o mundo. Queria fugir. “Vou fugir”.
Volta para a cozinha. Abre a geladeira, pega o leite e a manteiga. Separa duas canequinhas coloridas, aquece o leite, e despeja-o nelas. Procura o pão no armário, corta quatro fatias, enche-as de manteiga e também de geléia de morango. Coloca as fatias de pão com manteiga e geléia em dois pratos pequenos, também coloridos. Retira uma bandeja do alto de um armário. Coloca ali as canecas com leite e os pratos com pão.
Segue até o quarto dos filhos, deixa a bandeja em uma mesinha perto das duas camas. Observa com ternura as faces rosadas e serenas e claras dos filhos. Beija-lhes as bochechas. Abre bem todas as janelas. Escancara-as. Sente o ar gélido em seu rosto. “Quero Fugir”.
Volta para a cozinha. Fecha a porta. Fecha todas as janelas. Procura diversos panos, lençóis e toalhas e coloca-os, enrolados, em todas as frestas e saídas de ar das portas e janelas, vedando tudo completamente.
Abre a porta do forno. Liga o gás. Senta-se no chão úmido e frio da cozinha. Coloca a cabeça dentro do forno, pode sentir o cheiro forte e presente do gás. Ali fica, até perder os sentidos. Até fugir. Fugir para sempre, como queria.
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Sylvia Plath, uma das maiores poetas norte-americanas do século XX, suicidou-se em uma madrugada gelada de inverno, na Inglaterra, em 1963. Tinha trinta anos. Havia se separado recentemente do marido, o também poeta Ted Hughes. Tinha dois filhos pequenos. Era maníaco-depressiva, e, antes de sua morte, já havia tentado o suicídio uma vez, aos vinte anos.
A perturbadora e sensível poesia de Plath é classificada, por seus estudiosos e leitores, de confessional. Em sua obra está toda a sua vida. Suas angústias. Seus medos. Seus sucessos. Suas paixões. Sua essência. Sua capacidade de ressuscitar. Sempre.