NO ÚLTIMO QUARTO NÃO!
A psicanálise tenta nos ensinar sobre muitas coisas que precisaríamos saber e não sabemos. Ela lida com parábolas para nos fazer compreender o sentido de muitas coisas que não entendemos. Jesus Cristo também usava parábolas para explicar com grande didática o que multidões precisavam entender, internalizar e praticar.
Entender ao outro e a si mesmo, por exemplo, sempre foi um enorme desafio. Muitos realmente exercitam tal prática enquanto escrevem e outros, simplesmente, observam, são observados e analisam o conteúdo de tudo isso. “São cronistas [de muitas ou poucas palavras] do seu cotidiano, de muitos atores”.
Tenho uma opinião muito pessoal sobre nós mesmos e sobre aqueles que nos rodeiam, muito próxima e consensual de uma crônica escrita por Rubem Alves, chamada “O quarto dos horrores”. Ela nos ensina com uma estória/conto/parábola, algo muito interessante: a síndrome do Barba Azul. Este personagem era um homem muito rico que morava num lindo castelo de 100 quartos. O que intrigava, por outro lado, eram seus múltiplos casamentos e esposas desaparecidas. Uma certa jovem casou com Barba Azul. A festa havia sido linda, e a vida de ambos uma felicidade só. No dia que o Barba Azul precisou viajar, tirou do bolso um molho de cem chaves. Aí Barba Azul disse: “eis aqui as chaves do meu castelo. Você pode entrar em todos os quartos, menos no centésimo, que é o último quarto”. “Não entre lá. Se você entrar nesse quarto será terrível, irá se arrepender amargamente”, exclamou o reticente Barba Azul para sua “amada”. Ela se encantou com todos os quartos da linda mansão. Visitou todos os 99. Contudo, não conseguia conter o desenfreado desejo de visitar o quarto misterioso. Mas, uma coisa intrigava: se Barba Azul não queria que visitasse o quarto de número 100, o tal quarto proibido, porque deixou a chave. Mesmo assim, ela não se conteve e abriu o último quarto. Ficou horrorizada. Corpos mortos. Sangue. Tentou limpar a chave que estava manchada de sangue porque com o susto esta havia caído no chão. Pobrezinha. Foi em vão, pois a mancha não saiu nem mesmo com a última novidade em sabão tira manchas ou alvejante. Volta de viajem o Barba Azul. Pediu as chaves. Viu a chave manchada. Ela deveria se juntar às outras antigas esposas, mortas.
Essa é uma parábola do que acontece com quase todo ser humano. Ao abrirmos as portas da mansão, a visitação aos 99 quartos consta de grandes alegrias, sorrisos, deslumbramento. Tudo é cordial. Mas, o último quarto, como diz Rubem Alves, é o quarto que mais odiamos, porque ali mora a nossa parte monstruosa. Destroem-se assim laços da mais perfeita harmonia que nunca deveriam ser desfeitos. Desfaz-se, na prática, o exercício do amor, e nasce a abominação do mortal pecado.
Já me deparei com inúmeros quartos de número 100. E você? Também fiz pessoas sofrerem por terem aberto o meu último quarto. O quarto dos meus horrores. Outrossim, para que a história pudesse ter um final feliz, é claro, seria preciso que a reforma de nossos castelos fosse feita com uma verdadeira lição de ética, compaixão e amor ao próximo – a lição de Jesus Cristo. Enquanto isso, a mansão continua aberta a visitação somente para os 99 quartos. O centésimo aguarda por uma reforma. Enquanto isso não acontecer, no último quarto não!