Conto de Natal
Deixei pra comprar a passagem em cima hora. Não tinha dinheiro. Pensei em viajar no dia 23, mas não havia mais voos. Ficou para o dia 24 mesmo. Também não havia mais voos diretos. Outra vez, eu precisaria parar em São Paulo. Paciência. Acordei cedo e cheguei ao aeroporto com antecedência. Aproveitei para ficar andando pra lá e pra cá, tentando enxergar algum espírito natalino nas pessoas. Pra mim, acontecem coisas especiais no dia 24. Coisas que trarão alguma reflexão e que depois serão contadas para a família no momento da ceia.
Então o alto-falante anunciou que o meu voo estava com atraso. Normal para a época. Já esperava. Preciso dizer que não me agrada muito viajar de avião. É claro que é melhor do que viajar de ônibus, cansa bem menos e tudo mais. Mas o medo é maior. Pra piorar, eu estava sentado ao lado de uma janela. E justamente ao meu lado estava uma das asas, a que eu assistia balançar furiosamente, parecendo que estava para se soltar. Terrível.
Pelo menos a viagem até São Paulo era mais curta. Logo avisaram que iriam iniciar os preparativos para o pouso. Foi nessa hora que eu tive um estalo e quis conferir onde eu havia deixado o meu bilhete para embarque da conexão. Costumo deixar essas coisas no bolso. Não estava. Nem na frente nem atrás. Fui ver dentro da mala que eu levava. Revirei três vezes e nada. Comecei a me agitar. Havia apenas meia-hora entre um voo e outro. Eu precisava daquele bilhete. Nisso, o avião já estava pousando, e eu fui saindo, apreensivo, e nem respondi ao feliz natal da aeromoça.
Cheguei ao local do novo embarque. Parei sem saber o que fazer. Vi então um agente da companhia área, cercado de pessoas que lhe faziam perguntas. Era o cara responsável por resolver pepinos, e era exatamente pepino o que eu tinha. Fui até ele. Era Natal, mas os ânimos estavam exaltados. Esperei que as pessoas saíssem e contei o meu drama. Ele ouviu com atenção, avisou que estava subindo ao andar de cima, e que voltaria trazendo um novo cartão de embarque pra mim. Esperei.
Passou um tempo e ele chegou, trazendo realmente o meu cartão. Agradeci e acelerei os passos rumo ao embarque. É realmente difícil correr quando você está levando uma mala pesada – eu não queria ter que despachar bagagem. Fiz o que pude. Cheguei ao portão de embarque. Não era lá, trocaram. Corri ao outro, e adivinhem: o avião havia acabado de partir. Maravilha. Fiquei aturdido. Não sei qual foi a compaixão que consegui então da atendente, mas ela me colocou em outro voo, sem maiores problemas ou perguntas.
O novo voo era dali a duas horas. Sentei no meio de outras pessoas que gastavam suas vésperas de Natal no aeroporto. Passaram-se duas horas e nada do avião. Três horas e veio um aviso de que o voo estava atrasado – coisa que eu já percebera. Os outros passageiros começaram a reclamar. Houve um que exigiu o lanche obrigatório. Um funcionário da empresa disse que até poderiam dar um vale pro lanche, mas ninguém podia garantir que enquanto eles estivessem comendo o avião não aparecesse e partisse sem eles. Um passageiro gravou essa fala e estava passando via bluetooth para os outros. Começou a circular uma lista para troca de e-mails entre os passageiros.
Até que chegou o avião. Sem tripulação. A cada quinze minutos, aparecia alguém que entrava no avião e ficava esperando o resto dos tripulantes. Quando o número já era suficiente, uma nova informação: encontraram uma falha mecânica na aeronave. Precisavam consertar. Sem previsão de término. Já passavam de 4 horas de atraso. Os passageiros protestavam aos gritos. O espírito de Natal não estava ali. Que dia, que dia! Bela maneira de passar a véspera de Natal.
Depois de muito tempo, finalmente embarcamos, com medo de que a falha mecânica não houvesse sido resolvida. E foi com imenso alívio e uma grande salva de palmas de todos que o avião finalmente chegou ao solo. Já era noite e eu fui direto para a ceia, pensando em quais reflexões teria a contar para a família naquele Natal.