ABC em Pessoa

“No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto.”

A infância passava assim, no vagar do cotidiano, explorado e inexplorado, tal como, o guardador de rebanho ao procurar a sua ovelha perdida nos campos verdes, nas colinas flutuantes, ouvindo o seu próprio coração, apressado pelo passo e pelo compasso dos seus pensamentos. Cheiro de terra molhada. Vez ou outra um vazio; o invade. Silêncio! Pára o diálogo dele com ele, mesmo! Olhar o tempo passar na lentidão do ciclo das ninhadas das galinhas no terreiro, ou, das voltas da lua ainda brilhando no céu às 8 da manhã. O cheiro da lavanda, e os passos apressados da mãe trazendo o café e o pão quente amanteigado, e, o cheiro de fome! O sentar para comer e sentir o corpo, a sombra fresca da laranjeira, ouvindo o zunido da abelha regurgitando a gota dourada para a sua rainha. Tudo tão simples! Tudo tão envolvente! Dia destes: “Vi Jesus Cristo descer à terra”, sentou ao lado do guardador e confidenciou estar cansado das coisas lá do céu: “Limpar os castiçais de prata das mesas do jantar deixam as mãos cheirando a amônia. E, como são muitos! Cresceu o número de santos por aquelas bandas, se bem que..., alguns, de vez em quando, descem nas festas que o “diablito” promove lá pelas bandas do “Inferno de Dante”. Jesus Cristinho, nas suas divagações até contou que leva piparotes de sua mãe, por conta de deixar algum castiçal enegrecido. Maria esta com transtorno obsessivo compulsivo, alguns anjos, até pediram ao Pai para levá-la ao psiquiatra mais afamado das nuvens, Dr. Sigmund Freud!

Ah! Jesus Menino até deitou sua cabeça no colo do guardador de rebanhos. Seus caracóis desgrenhados pela falta de uma escovação provam que a sua mãe; o deixou um pouco de lado para cuidar da limpeza dos céus e do rebanho da Santíssima Trindade, toda!

O garoto mostrou felicidade ao poder desfrutar um pouco da liberdade das paragens verdes daquele lugar, enjoado que está das falações do velho José, insistindo no seu desenvolvimento psicossocial. Seu velho pai, diz, para ele, levar mais a sério a vida! Para ele, amadurecer e encontrar uma namorada. Namorada...?! Cruzes!

“No tempo em que festejavam o dia dos meus anos... “ A saudade este vento remexedor das coisas escondidas mostrou o horror do tempo. Tempo, que levou os pedaços de mim, um guardador de rebanhos, para um lugar inacessível aos meus olhos. Meus avós não falam mais a linguagem de um guardador de rebanho, agora, estão, dando trabalho pra Maria. Trabalho!? Cuidar de cozinhar, limpar, lavar pra este bando de bom gourmet, apreciadores de um bacalhau com batatas ao murro feito no azeite exta-virgem; um caldo verde com muita calabresa; uma sardinha na brasa, e, de quebra, os docinhos de sobremesa; bolo de nozes, pastéis de santa.clara, ninhos de ovos..., não esquecendo, do doce mais aprovado pelos seres alados, residentes na casa do Pai; os papos de anjo!

“Hoje já não faço anos. Durmo. Somam-se-me dias. Serei velho quando o for. Mais nada.”