Sobre as crônicas de Affonso Romano I
É quase inevitável que acabo em profusão de alegria e riso quando termino de ler alguma crônica de Affonso Romano de Sant`anna. Li agora há pouco a “Encontro com Bandeira” e minha sensação é muito agradável ao perceber a humildade do grande poeta e cronista diante do seu otimismo por saber que, dos muitos seus poemas de adolescente, apenas quatro versos agradaram ao poeta Bandeira e por ser grande o seu entusiasmo termina dizendo que a poesia era possível. Esses relatos refletem em mim que também já tive dezessete anos, as lembranças das minhas muitas tentativas de acertar ao praticar a arte dos sons e agora mais recentemente ao começar a invadir o vastíssimo território do jogo de xadrez. Sei que uma coisa é se estar com dezessete anos e se pensar que já se é senhor de algum espaço e outra é, ser um cinqüentão que já andou por muitos terrenos e já despencou de muitos vôos. Mas igualmente a ele, eu também ao chegar ao Rio de Janeiro aos dezoito anos, fui a teatros e conversei com músicos no camarim e nessas conversas foi que fui perceber o quanto eu ignorava coisas elementares e básicas de música. Foi sendo humilde que aos poucos fui trilhando desde o zero os muitos detalhes da técnica e daí passo a passo me arriscando noutras caminhadas. Certa feita na Associação dos músicos militares do Brasil (AMMB), ouvi do mestre Luis Nunes explicações sobre a matemática da leitura métrica, onde se tornava tudo mais claro, e o dificultoso se sumia e eu começava a desvendar certos mistérios. Ele era instrutor de ditado de piano, leitura métrica e solfejo, era irônico quando queria ser , mas era do tipo que só jogava suas agudas farpas para os que ele distinguia como “os tais”, para os do meu estilo, eu sentia que o tratamento era outro, e os motivos eu sabia claramente serem sua visão e bom julgamento que fazia do meu sincero esforço e humildade para acertar, e, isso é um legado que hoje também adoto quando estou diante de um principiante de música e noto nele essas qualidades do seu esforço e humildade. Ser adolescente é viver uma fase meio obscura, entre a identidade que se almeja e a que se pode exibir como sua, onde o prumo é pouco e a visão é curta, senão distorcida, embora o desejo e as paixões sejam arrebatadoras, mas não falarei por todos, sei e somente hoje sei por mim, que eu era um estranho pra mim mesmo naquela época.
Mas voltando aos escritos do mestre Affonso, tudo me fascina em sua crônica,mas o que mais me alegra é exatamente o que eu também pude viver, pois semelhantemente a ele, também tive alguém bem mais velho e experiente que me disse aprovar algumas das minhas desaprumadas criações de rapazote, e isso muito corroborou para eu me manter nessa estrada, é que ainda não parei e nem penso em parar, ora, se eu já sabia que o rumo era esse bem antes da profecia, e imaginem vocês se continuei nele depois dela confirmada, digo mais, mesmo que algum daqueles donos da técnica tivessem me dito para eu tirar o cavalo da chuva, confesso que aí eu teria abdicado da minha humildade, e teria vestido a pele do asno que ao se sentir contrariado em seu natural, assume a brutalidade da desobediência e se torna temerário.