MILHO VERDE

Numa das ruas mais movimentadas do centro comercial de Carpina está instalada, ocupando uma parte da calçada do Correio, junto a uma árvore, o tabuleiro de uma senhora que vende milho verde assado na brasa, na hora, em fogareiro de barro.

Pelo aspecto ela já passou a muito tempo dos quarenta anos, tem o biótipo do nordestino da metade do século passado.

Sua estatura não deve passar dos 140 cm, se é que a tanto chega; pernas ligeiramente arqueadas, como se estivesse permanentemente montada num jumento; a cabeça sempre coberta por um pano de algodão grosseiro, talvez de saco de açúcar, muito branco, que deixa entrever os cabelos castanhos e brancos por trás das orelhas; o rosto..., bem, o rosto deve ter servido de modelo para o desenhista da Disney que criou o personagem Arquimedes, a coruja do Mago Merlin do desenho – A ESPADA ERA A LEI – que conta a história do rei Arthur ainda menino, até o dia em que ele consegue retirar da bigorna esquecida sobre um pedestal no meio da praça, a espada Escalibur.

Sempre que passo por ela para ir assistir aulas de inglês, tenho vontade de falar sobre os malefícios da inalação dos gases liberados na combustão do carvão, pois o fogareiro fica sobre a banca exatamente na altura do seu rosto e a direção do vento faz com que ela inale, diretamente da fonte, durante todas as horas em que fica trabalhando, mas ainda não tive inspiração para fazer a abordagem.

Ainda o farei, embora saiba de antemão que não serei levado a sério, primeiro porque não sou médico e também porque ela sempre fez assim, e a mãe e a avó e todas as pessoas da família que antes dela eram encarregadas da preparação das refeições e que sempre cozinharam assim.

Por que mudar uma coisa que sempre deu certo só porque um ET, vindo não se sabe de onde, que tem a fala diferente de todo mundo que ela conhece, vem dizer que faz mal?

Mesmo assim, ainda o farei.

Toda essa falação é para contar um fato inusitado, algo que me deixou verdadeiramente emocionado.

Quando passei hoje, apesar de todo movimento de pessoas e veículos por causa das vendas de natal, dois pardais (Passer domesticus) estavam comendo em sua mão.

Um deles pousado na espiga de milho que ela estava segurando e o outro desceu da árvore e pousou em sua mão, quando ela chamou como quem chama galinha criada em quintal:

- tiú, tiú, tiú!

E ficaram os dois pássaros bicando a espiga enquanto ela falava:

- Tão cum fome, n’é?

Vieram outros e pousavam em seus ombros e braços.

Paravam de comer e voavam para a árvore, quando ela tinha que atender a algum cliente, mas retornavam depois, obedientes ao chamado, o que indica que os pássaros estão acostumados com esse movimento e que hoje não foi a primeira vez.

Estático, encostado na parede do prédio do Correio fiquei por longo tempo assistindo àquele espetáculo de integração entre espécies animais diferentes e pensando que enquanto tantos humanos só se preocupam com os outros animais na hora de destruí-los, aquela senhora, que deve ter a origem tão simples quanto seu aspecto e vestuário, que talvez nunca tenha lido (se é que sabe ler) alguma coisa sobre a necessidade da preservação das espécies para manter o frágil equilíbrio natural, ou sobre destruição de habitat, faz voluntariamente, apenas movida pela bondade e pela beleza do seu íntimo, o aporte nutricional que os pássaros necessitam e que, atraídos pelo cheiro do milho recém cortado e pelo chamado da pessoa amiga, buscam alimento para si e para seus filhotes.