(MALDITO) DIA DE CALOR
Acordei com Margot ao meu lado, hirta como um caixão, os olhos fixos num livro de capa escarlate, as pernas, as axilas e o púbis cobertos por uma cera escura, já pronta para ser retirada.
Ao perceber que eu tinha despertado, me veio com essa: “o erotismo é muito mais excitante que a pornografia. O sexo descrito de forma suave, cheia de contornos e nuances, estimula a imaginação. Sexo explícito não tem muito valor. Beira à obviedade.”
Aquele comentário em outras situações me teria feito explodir dentro das calças e pular para dentro de Margot, insano e esfomeado como um urso depois do inverno.
No entanto, mantive-me inerte, olhando fixamente o teto. Fazia um calor infernal, pior que o habitual. Era possível tocá-lo, cheirá-lo, senti-lo pesado no ar, pressionando nossos corpos contra o colchão.
Deixei Margot sem resposta e tentei voltar a dormir. Precisava com urgência sonhar alguma coisa boa, capaz de transformar a vida em algo mais digno que um simples ato involuntário de sobrevivência.