HIPERATIVIDADE

Uma das vantagens de se viver só é poder observar o mundo que nos rodeia e com quase total isenção de preconceitos ou contaminação por opiniões de terceiros, fazer a análise do comportamento dos seres vivos que nos cercam, quer sejam vegetais ou animais.

Para aqueles que como eu, se interessam pelo comportamento tendo como base os pressupostos da Etologia que se situa no estreito espaço entre a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia (ciências imediatamente correlatas) observar os que estão ao redor, torna-se um hábito quase involuntário.

Bem perto de minha casa tem um desses bares com música ao vivo, suportável por ser local aberto, sem paredes, que serve espetinhos e outros petiscos além das bebidas geladas e que são paradas obrigatórias, principalmente nas noites das sextas-feiras, quando tradicionalmente nos despedimos das atividades da semana e do

estresse decorrente delas.

Nessa última sexta-feira tive a oportunidade de observar, por mais de hora, o comportamento de uma criança, cuja idade cronológica deve oscilar em torno dos cinco anos.

Quando eu cheguei, ela já estava com os pais, pelo menos era assim que a criança se referia ao casal adulto que, sentado na mesa em frente a minha, conversava sobre algo visivelmente incômodo para ambos.

Durante o tempo de observação, o comportamento da criança gritava para qualquer um que quisesse ver que se tratava de um caso de hiperatividade não cuidada.

Esse bar está instalado ao lado do prédio onde funcionou a estação de trens (hoje abandonada) e como toda estação há a plataforma de embarque e desembarque de pessoas quando havia o serviço regular de trens de passageiros. Essa plataforma tem mais de que cinquenta metros de extensão e parte das mesas do bar ficam espalhadas nela que é mais alta que o terreno do entorno.

A criança não parou um minuto sequer desde o momento em que cheguei até que foi levada, pendurada nos braços dos adultos.

Num momento estava junto aos pais; noutro corria por toda a plataforma e fazia o retorno pela parte de baixo; várias vezes subiu na cadeira só para pular para o chão; correu atrás dos gatos e cachorros vadios que ficam perto das mesas a fim de ganhar algum alimento; subiu nas costas do pai e, por sobre a sua cabeça, mergulhou para o colo; bebeu alguns goles de refrigerante que a mãe ofereceu; pendurou-se na haste onde o vendedor de amendoins transporta as embalagens, quase derrubando tudo; correu em torno das árvores da praça; voltou inúmeras vezes para perto da mesa e numa das vezes bateu com as duas mãos na vã tentativa de chamar a atenção dos adultos; depois de falar algo para os adultos que nem sequer olhavam para ela, saiu correndo outra vez pela plataforma, ora pela parte de cima, ora pela parte de baixo; abriu os braços e ficou girando sobre si, como fazem os Derviches, até cair sentada, possivelmente tonta.

A mulher apanhou-a do chão e antes que pudesse ajeitar-se ao sentar, a criança já estava correndo outra vez.

Não havia demonstração de fadiga nem que aqueles movimentos fossem para satisfazer algum objetivo, como atrair a atenção dos pais, que agiam como se aquela inquietação fosse “normal”.

Apenas o movimento repetitivo, tal como pêndulo, e a fala ininteligível das crianças que, solitárias, brincam com um coleguinha invisível para nós que não fazemos parte do seu mundo onírico.