Esses ladrões...

     Ao amanhecer, abri o principal jornal de Salvador, para saber das últimas. 
     Tirando a crônica do Carlos Heitor Cony, excelente como sempre, e o vigoroso artigo da Dora Kramer, pouco aproveitei da edição de hoje.
     Posso dizer que o noticiário por ele trazido, em aproximadamente oitenta por cento, era policial.
     Noticiava crimes praticados na planície e no planalto. Em cena, delinquentes de alpargata japonesa e criminosos engravatados.
     Os primeiros - coitadinhos! - diante das pistolas e sopapos dos pms, mal sabiam explicar por que haviam delinquido.
     Os segundos - arrogantes! - tentavam ludibriar o distinto público justificando, com argumentos sínicos, suas trapaças e arruaças. 
     Os primeiros, recebendo o castigo, em princípio, merecido.
     Os segundos, sacando do bolso do casaco o passaporte visado para mais um périplo internacional.
     Os primeiros, sendo jogados nos porões imorais de imundas cadeias públicas, companheiros, a partir daquele instante, do mosquito Aedes Aegypti, no barato.
     Os segundo, de malas prontas, esperando o primeiro voo.
     Os primeiros, condenados sem culpa formada.
     Os segundos, aparados por uma legislação fajuta, sendo absolvidos pelas togas escravas da obsoleta lei penal vigente.
     E assim por diante.

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     Duas notícias, de cara, me chamaram a ateção.
     Vou falar da primeira, com um pequeno introito. 
     Quem visita as igrejas da Bahia, vê, na maiorias dos seus altares, imagens preciosas, antiquíssimas, verdadeiras obras de arte.
     Dou um exemplo: a imagem de São Pedro de Alcântara, na igreja de São Francisco, no Terreiro de Jesus, obra máxima do escultor Manuel Inácio da Costa, esculpida entre 1790 e 1793.
     Segundo pesquisadores, ela tem "uma das expressões faciais de sofrimento mais realista de que se tem conhecimento na imaginária brasileira."
     Tão perfeita ela é, que Dom Pedro II, idos de 1859, de passagem pela Bahia, tentou levá-la para a corte. Os franciscanos reagiram "ferozmente" e o imperador desistiu da ideia.
     Conheço-a, de perto, há mais de 50 anos.
     Mas queria dizer, que quase todas essas imagens não têm a proteção que lhes garanta a integridade física e as mantenham longe dos ladrões de igrejas, cada vez mais agindo na Bahia.
     A igrejinha está caindo aos pedaços, mas a imagem precisosa do seu altar-mor permanece no seu vulnerável nicho, florido e dourado.

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     A primeira notícia tem a ver com o roubo de imagem de reconhecido valor.
     Larápios acabam de levar, não se sabe como e a que horas, a histórica imagem de Nossa Senhora da Piedade, padroeira de Itaparica, a ilha mais querida do recôncavo baiano. 
     Dias antes, ainda na paradisíaca ilha - o Brasil precisa saber disso - os ladrões haviam levado imagens antigas  da sua igreja matriz. Sim, da sua igreja matriz.
     Ainda na mesma ilha, não faz muito tempo, os larápios levaram trinta e quatro peças sacras raríssimas, inclusive uma imagem de São Elesbão, a única do Brasil.

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     Meu amigo João Ubaldo Ribeiro, filhos ilustre de Itaparica, devoto de Santo Antônio de Pádua, numa de suas belíssias crônicas domingueiras, podia fazer o seguinte: pedir ao seu santo predileto - que também é o santo das coisas perdidas - que faça voltar ao seu original altar pelo menos a itaparicana Nossa Senhora da Piedade, protetora da cidade que ele tanto ama. Fica a sugestão.

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     A segunda notícia, também na área de roubos e furtos, vem de uma legendária cidade do sertão pernambucano.
     Pois não é que os ladrões, numa ousadia sem precedente e sem tamanho, roubaram os óculos de Lampião que estavam sob a guarda do Museu de Serra talhada (Serrita) , a terra natal do cangaceiros mais famoso do Brasil?
     Olha, até então, eu pensava que os larápios só se atreviam a roubar os os óculos da estátua do Carlos Drummond de Andrade, no calçadão de Copacabana; e, segundo eu soube, os óculos da estátua de Rachel de Queiroz, numa praça pública de Fortaleza.
     Diria, que estão mexendo muito com a memória do temido bandoleiro. Recentemente, os jornais publicaram matéria que dava Virgulino Ferreira como gay e corno.
     Queiram ou não, Lampião escreveu uma página da história deste país. E essa história deve ser preservada.
     
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     Notícias fesquinhas dão conta de que das sete capitais mais violentas do Brasil, cinco são nordestinas: Maceió, João Pessoa, Recife, São Luís e Salvador.
     Pra terminar: comparando-se a violência dos tempos do bandoleiro de Serrita com a violência que hoje  invade e intranquiliza as capitais e o interior do Nordeste, Lampião e seus cabras podiam ser absolvidos.
E não me xinguem.
      
     
           
     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 19/12/2011
Reeditado em 19/12/2011
Código do texto: T3396664