Oito dias antes do Natal

 
Estou vivendo em dobro. Tenho vinte dedos e dois corações. (Sunny Lóra)



 
O único som que ouço é do teclado e do rádio ligado, bem baixinho. É domingo de manhã. Tudo no lugar, menos os meus pensamentos viajantes. Não entendo como uma senhorinha como eu, já de fios de cabelos brancos, trabalha a mente desta maneira vertiginosa. Acho que quero compensar o tempo perdido, quando eu era uma vaquinha de presépio e concordava com tudo para não criar conflitos com ninguém. Assim fui criada.



Durante muitos anos preferi ficar calada e sorrir sem vontade. Não era uma forma correta de comportamento, pois deixava de colocar minhas opiniões apenas para resguardar-me de problemas. Eu estava errada o tempo todo.

Oito dias para o Natal... Estou à procura dos cheiros de pinheiros da igreja e do presépio lindo, de ciprestes e caminhos de areia fina colorida com anilina. Na verdade, o que eu procuro é a minha infância de volta.



Onde estão os cheiros de Natal? Foram se perdendo no ar, como as horas que passam. Não estou nostálgica hoje; apenas recordando os natais verdadeiros. É difícil de aceitar que aquele primeiro pinheirinho que a nossa irmã Eloiza enfeitou não existe mais. Sei que outros pinheiros vieram depois dele e crescem todos os dias nos campos de todos os lugares verdes que tanto amo. Mas aquele pinheiro... Era especial demais.

Nossa sala tinha uma mesa de madeira envernizada e quatro cadeiras. Uma mesinha de canto, de meio metro de altura. A mesa era enfeitada com toalhas bordas a mão. Os sábados de manhã eram dedicados à faxina. Cera e escovões pesados faziam parte de nossas vidas e a palha de aço era uma agressão às nossas mãos. Eu vivia com farpas que machucavam demais cada pedacinho das minhas, pequenas.

 

Hoje, tantos anos depois, quando eu arrumo minha casa, depois de tudo no lugar,  borrifo cheiros por todos os cômodos. Até as flores artificiais – adoro flor de pano também – ganham alguns respingos. Travesseiros ficam felizes quando recebem o cheirinho de erva-doce e de noite vão acolher meus pensamentos antes do sono.

Voltando à sala e as cadeiras, nossa irmã sempre foi fantástica para decoração. Tudo nela tinha mais cor e ela sabia – e sabe! – valorizar o pouco que tínhamos. O galho de goiabeira pintado de prata, lindo de viver, cheio de bolinhas muito pequenas, era tudo que podíamos ter.  Hoje eu ficaria feliz demais de ver uma árvore de natal assim, como era a nossa.



Ela arrumou o pinheirinho num canto da sala, agora com uma mesinha de canto, que abrigava o velho rádio de nosso pai, que era ligado apenas nos domingos depois da missa. Cuidadosamente colocou o rádio na única prateleira da mesa e, em seu lugar, o vaso de lata envolto em papel celofane e as oito bolinhas maiores, felizes por receber lacinhos vermelhos em cada uma delas. Ficou lindo!  Ela complementou os enfeites com um pacotinho de papel alumínio cortado em finas camadas e fez de conta que eram os raios de sol batendo na neve, feita de algodão em volta dos galhos!

Acho que este pinheiro é a visão mais linda de minha infância. E neste dia eu nem me importei de fazer a sopa diária de feijão. Subia num banquinho – ainda sou pequenina sim – e começava o ritual, que era mais ou menos assim: descascar quatro dentes de alho e socar com um pouquinho de sal; cortar uma cebola em pedacinhos bem finos; pegar a frigideira. Enquanto o feijão coado, na verdade deliciosa água de feijão, já começava a ferver, a cebola e o alho eram tostados. A panela recebia esta mistura e era uma delícia ouvir o som que a água do feijão fazia quando se encontrava com a cebola e alho. Ferveu! Aí eu colocava a massinha e as sobras do almoço. Pronto. Sopa pronta, pinheirinho lindo na sala, coração feliz.



Oito dias antes do Natal, malas arrumadas para passar o primeiro natal com meus dois filhos (apenas nós três). Neste momento estou lavando os olhos. Ninguém mandou ser boba...

 
 
Domingo de manhã, dezembro, 2011.
Imagens Google
 

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 18/12/2011
Reeditado em 24/03/2012
Código do texto: T3394782