O Natal para quem raciocina...
Muitas pessoas dizem que esta data lhes encharca a alma de melancolia e até mesmo de uma pungência indescritível, queixam-se das músicas que lhes soam de forma nostálgica e dizem-se enfadadas por terem de cumprir a mesma coisa todos os anos: Correria ao comércio, preparação de ceia, troca de presentes e intermináveis confraternizações: Escola, trabalho, vizinhos, igreja, academia...
Creio que este frenesi desenfreado seja mesmo a fonte do esgotamento emocional que ataca a tantas pessoas, pois se relativiza os fins e se absolutiza os meios, o que termina deixando uma sensação de vazio. Natal é renovação, mas não renovação do guarda-roupa, da pintura da casa, do cardápio da ceia... Esta reforma é íntima, intrínseca e deve aflorar de dentro para fora, ao contrário do que ocorre com a maioria das pessoas.
Jesus nasceu há cerca de dois mil anos, não se sabe precisamente, e com certeza não foi no dia 25 de dezembro. Esta data foi fixada pela Igreja Católica para cristianizar a festa pagã do deus sol invictus ("Sol Invicto", em latim), a tentativa era mostrar Cristo como a verdadeira luz do mundo, o sol imperecível. Logo concluímos pela racionalidade que Ele, o Cristo de Deus, não carece de um aniversário para ser homenageado ou lembrado. Nós é que precisamos desta data para reavivarmos em nós os valores e virtudes que Ele próprio veio nos presentear com seu exemplo de vida: Humildade, solidariedade, oblação, alteridade, simplicidade.
Tudo parece muito paradoxo quando confrontamos tal linha de pensamento com a realidade que nos circunda. O verdadeiro sol (Cristo) parece ter sido substituído por luzes que piscam de forma esfuziante e a oblação que ele nos ensinou reaparece deturpada em presentes e comelanças que, por si só, em nada edificam a porção da humanidade que se diz cristã.
Não tenho nada contra as confraternizações, luzes piscantes e banquetes, mas reitero que o fim mesmo da celebração foi relativizado e afirmo sem pejo que em nossos dias o Cristo parece banido de uma festa que, dizem, se faz em homenagem a Ele.
Onde será que encontramos o Menino Jesus na noite denatal? Para muitos não é necessário encontrá-lo pois ufanam-se de que o mesmo está vivo dentro de seus corações. Outros há que lotam as Igrejas das mais variadas denominações, e saem satisfeitos de tê-lo homenageado e até cantado parabéns para ele á meia noite.
Sei não viu... Penso que há um certo engano nestes comportamentos, engano esse que se coaduna muito bem com comodismo e anestesiamento das consciências, pois vejamos, o Cristo nos disse que quando víssemos um de nossos semelhantes mais necessitados, ali o encontraríamos de forma incontestável. Fico pensando que há um contra senso muito grande em nos regalarmos e promovermos nossos rituais religiosos com os olhos fechados para os mais necessitados. Nossa mesa farta, nossa casa adornada ( na maioria das vezes com símbolos meramente capitalistas) e o Jesus que é nosso próximo a sentir as entranhas doerem de fome. Sorrimos e brindamos, cantamos NOITE FELIZ a plenos pulmões enquanto Jesus chora nos abrigos para idosos, orfanatos, leitos de hospitais, prostíbulos e guetos de dependentes químicos...
Há também uma certa onda de “caridade temporária”, na qual muitos mergulham indo a instituições filantrópicas e deixando algo de material para os mais necessitados. Mas vem cá: A caridade tem época? Sei não... Padre Zezinho compôs uma canção muito bela que aborda bem esta reflexão:
Tudo seria bem melhor
Se o Natal não fosse um dia
E se as mães fossem Maria
E se os pais fossem José
E se a gente parecesse
Com Jesus de Nazaré
Penso que encontramos subsídios mais densos e contundentes para repensarmos o verdadeiro sentido do natal a partir da estrofe acima: A data tem uma resignificação quando olhada do ponto de vista central: Jesus de Nazaré e sua mensagem libertadora, que ultrapassa as barreiras das religiões e de seus dogmatismos por ser bem maior e ampla que elas: RENOVAÇÃO constante, cotidiana e diuturna a partir da Mensagem da Boa Nova cuja máxima é : “ Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo!”.
Muitas vezes nem precisamos andar muito para encontrar uma oportunidade salutar de pormos em prática essa máxima do Evangelho: Basta olharmos dentro de nossa própria casa, em nossa família, reparar em nossos vizinhos e não nos faltarão oportunidades de encontrarmos manjedouras “disfarçadas”, mas não menos carentes de um abrigo, um abraço, uma ajuda de qualquer espécie.
Façamos de nossas vidas um perene natal e no dia 24 de dezembro, consagrado pela cultura ocidental cristã como sendo o natalício do Cristo, nos sentiremos mais leves por termos nesta data apenas o coroamento de todo um ano de esforço íntimo e sigiloso que acabou por transformar nossas almas em um belo presépio.
Feliz Natal de dezembro a dezembro:
Thomas Saldanha.
Natal RN, 14 de dezembro de 2011.