Viagem

Carla despede-se da mãe e da avó no aeroporto de Lisboa.

A convite dos tios, que viviam nos Estados Unidos, ia tomar conta do primito

que tinha um ano.

Carla olha indiferente para o avião, como se fosse o seu transporte habitual.

Olhou ao seu redor e viu uma miúda com 11 anos em prantos : não queria entrar

naquele passarão.

Aproximou-se e disse: não tenhas medo! Tu vais acompanhada pelos teus pais,

eu vou sozinha e tenho quinze anos.

Carla pensava já no seu lugar, quem seria a pessoa que lhe faria

companhia? Mas ninguém se sentou ao lado dela.

Não desanimou, quando queria falava com o casal detrás, sempre ajudou a

passar melhor o tempo. A viagem demorou oito horas.

A vista de cima era lindíssima, as nuvens pareciam montanhas de neve, o mar

parecia prateado.

Quando aterrou no aeroporto Kenedy, em Nova Iorque, pediram-lhe para se

dirigir a um gabinete.

Tinha à sua espera várias pessoas, uma delas um tradutor.

Fizeram-lhe várias perguntas, uma delas muito insistente, se queria mesmo

estudar nos Estados Unidos.

Carla, ensinada pelos seus tios, disse que era o seu sonho e que a mãe, pobre como era, não lhe podia pagar os estudos.

Os tios receberam-na calorosamente. Ela já não se lembrava muito bem

deles.

A viagem até casa dos tios demorou duas horas. Ainda enjoada do avião, ela passou o caminho a vomitar. Quando saiu do carro ficou fascinada:

Nevava!

Nunca tinha visto neve!

Vivia perto do mar, a vila onde habitava ficava apenas a sete

quilómetros do oceano !

O objectivo dos tios era que tomasse conta do filho mais novo. O filho mais

velho, com sete anos, tinha sido mandado para Portugal para estudar.

O governo americano obrigava as pessoas a estudar até aos dezasseis anos.

Carla tinha quinze anos e teve que ir estudar.

A cidade onde os tios viviam era pequena, mas muito acolhedora. Ali, havia muitos emigrantes de várias nacionalidades.

A adpatação foi muito difícil, porque era um mundo novo para ela. Estava habituada a viver numa vila pequena onde todas as pessoas se conheciam.

Não sabia inglês, o que dificultava muito a convivência e a aprendizagem. Na escola, havia vários portugueses que se prontificaram para a ajudar.

As miúdas com doze anos já fumavam ; a droga circulava nos corredores e a

virgindade e o sexo, naquele mundo, não eram tabus.

Carla sentia-se perdida, na sua terra não se via isso.

Os tios ficaram desiludidos, os objectivos foram por água abaixo.

Propuseram-lhe que casasse, assim poderia obter a nacionalidade. Lá, realizam-se muitos casamentos de conveniência precisamente para esse fim.

Carla recusou!

A tia aproveitou a estadia da sobrinha e incumbiu-lhe a lida da casa. Por vezes, eles já estavam todos deitados e ela ainda andava a acabar as tarefas domésticas.

Desanimada, chorava muitas vezes no quarto, tanto sentia a falta da mãe e da avó.

Sabia que Portugal ficava muito longe.

Com o decorrer do tempo e a aprendizagem da língua a adaptação melhorou e já não se sentia tão estranha na América.

Sem dar por isso, dois anos haviam passado!

Um dia estava a falar com o tio, quando os ânimos aqueceram e travaram uma

forte discussão, cujo resultado foi o recâmbio imediato da Carla para Portugal.

Apesar dos laços de sangue, a tia acobardou-se e não a defendeu, deixando-a muito decepcionada e frustrada.

Carla nunca mais voltou aos Estados Unidos.

Isa Castro
Enviado por Isa Castro em 07/01/2007
Código do texto: T339310