Esses vizinhos!

Encontrei-me com Dona Zina naquela manhã de sábado comprando o seu pão sovado na padaria do bairro. Reclamava ela de um vizinho que a incomodava muito com o volume alto de seu possante sistema de som automotivo. Era um exagero de decibéis, que provocavam uma zoeira nos ouvidos não só de Dona Zina, mas em todos os moradores do quarteirão inteiro. E prá completar a situação, o folgadão ainda vivia aos berros com a esposa, que parecia mais uma escrava. Era um tal de gritar Vevé prá cá, Vevé prá lá e a Verônica, esse o nome verdadeiro, tinha que dar conta de tudo, em cama-mesa-banho, até engraxar as botinas do brutamontes. A Vevé era uma Amélia prá valer.

Concordei com Dona Zina, em sua reclamação, justa e razoável. Acho que todos deveriam se comportar com civilidade e respeito. Liberdade é uma coisa e libertinagem é outra bem diferente.

Com a Orozina, esse o seu nome de batismo, estava a Sofia, um mulherão prá lá de 1,90 m, tipo jogadora de basquete, mas que não praticava absolutamente nada em matéria de esporte, a não ser levantando de copos, já que não deixava de lado a sua cervejinha. Com a sua voz rouca e na sua meia idade, tal qual sua amiga, não economizava palavras prá reclamar de um outro vizinho, que fazia das suas.

O calvário de Sofia era o Pedro com o seu cachorro, ambos animais indóceis. O quadrúpele não podia ouvir uma cantiga de pernilongo sequer, que abria a bocarra num latino sem fim. De madrugada, então, é que o bicho pegava. Aquele rosnado percorria o bairro inteiro, disposto a não deixar ninguém sossegado. O bicho era mesmo uma fera e o seu latido era digno de medalha de ouro em qualquer olimpíada.

Como se vê, a padaria estava pequena para tanto pão e casos de vizinhos problemáticos.

Até a balconista da padaria, uma lourinha com o sorriso bonito e esmalte vermelho nas unhas, entrou no papo para contar a sua parte, enquanto tratava de empacotar o sovado de Dona Zina. O personagem dela era um estudante, que acordava de madrugada para aprender fórmulas matemáticas e, repetia em voz alta e estridente para deixar gravado na memória, inclusive a dela: “a hipotenusa é igual a soma dos quadrados dos catetos...”. Ela só não soube se o secundarista aprendeu a lição. Quanto a parte que lhe tocava, já estava adiantada na matéria e atrasada no sono.

Depois de pegar os pães de milho, pensei em contar a minha história, mas diante de tantas concorrentes ao Oscar, não me atrevi. Já havia ouvido casos piores como o machismo do marido da Vevé, com o seu exagerado som automotivo, excedendo decibéis e os berros desmedidos para a companheira. E o cachorrão, aquele do Pedro e mais o estudante da hipotenusa. Bem, todos, com certeza, mais destacados que os meus personagens, que não dormiam de sexta para sábado, varando toda a madrugada ouvindo música e tentando acompanhar, cantando, mas de forma desafinada e arrítmica, num vozerio indesejável até o sol raiar.

Agora é torcer para que, pelo menos afinados, eles possam entrar no ritmo e proporcionar uma serenata de fim de semana. Quem sabe!!!