A Casa Da Tapera

A CASA DA TAPERA

Para os canais de percepção de menina interiorana sem consciência dos confins, o mundo parecia pequeno, era apenas o que se estendia ao meu redor, o campo visível em volta à pequena casa grande da Tapera, era tudo que conhecia, sem lobrigar os limites. Tudo era palpável, atemporal, visão limitada de menina do campo, não permitia enxergar os problemas sociais e econômicos que pontuavam o Nordeste com forte veemência, fins do governo Vargas, 1954. O estado de abandono em que se encontrava o sertão do meu Ceará naquela época era deplorável.

Meninice mágica, no verdor da infância ingênua, minha alma era pura em meio às asperezas do sertão. Um rosto sem expressividade denunciava os maus-tratos da seca. Saboreava sonhos pequenos e almejava os grandes.

A pequena casa grande da Tapera ficava escondida num alto, por traz da Arapiraca. No alpendre, à tarde a sombra se derramava. Lavado pelo vento que tangia as redes estendidas enfiadas nos caibros nos dias de calor sufocante com o forte mormaço, a criançada procurava aliviar com um banho no riacho.

Era uma casa dinâmica, alegre, cheia de gente, e animais ao seu redor, gente que passava, gente que visitava, gente que negociava, gente que ficava.

Manhã de sol, pura alegria, descer para os baixios para sentir o ar puro, colher as frutas maduras no pé, escutar o aboio do vaqueiro, tomar banho no poço da pedra.

Hoje, viajando no tempo das minhas lembranças telúricas, revejo com os olhos do coração, o riacho do Rosário na época da cheia, às vezes, enchendo devagar..., outras vezes chegavam arrebatadoras, bordando as várzeas com suas águas barrentas. O cheiro do mato, do arroz, do milho abonecando, exalando aroma agradável, enchendo as almas sertanejas de alegria. Adiante, os algodoais florescendo a esperança viva do sertanejo. O tempo se esvai ao vento.

Doce lembrança do mês de junho, o rio secando, a várzea repleta do canavial esperando o dia do corte. No oitão da casa, as ovelhas balindo, o tropel dos cavalos anunciava a chegada dos vaqueiros vindo das veredas da manga do gado, espantando as galinhas no terreiro. O leve ardor da terra misturava-se ao hálito dos bugaris na faxina do terreiro. Na cozinha as pamonhas quentinhas na palha do milho, amarradas com barbantes. O tacho grande de doce de leite, o bule de ágata cheio de café à beira do fogo para não esfriar. A nata exalando um cheirinho gostoso, derretendo-se em manteiga. A bandeja grande, redonda, repleta de xícaras com leite mungido da vaquinha Cordão de Ouro. Todos em volta ao fogão. Guilhermina bordava um sorriso no rosto.

Devagar, caminho para um passado longínquo, procurando sentir o aroma da infância que ficou perdida no silêncio do mundo deserto, e na sombra da noite de céu estrelado bailando ao vento.

No silêncio, fico a flanar, aguardando o fulgor do relâmpago e o estampido do trovão para me amedrontar outra vez. Apalpo a terra úmida que sobrou orvalhada, no mês de junho, e com a doçura do mel de jandaíra quebro o graveto ressequido do tempo no espinho da distância e toco a vida com muita expectativa navegando taciturna no intervalo da dor.

Um ar de insatisfação transpõe meu pensamento por trás da cortina do presente arrisco um olhar de saudade na vigília do tempo. Ah! O que importa é minha alma translúcida apaziguando-se nesse prosaico rosicler do alvorecer, resvalando na correnteza da vida.

Rosa Firmo

Natal, junho de 2006.

Roseli
Enviado por Roseli em 07/01/2007
Código do texto: T339176