Papai Noel de saco cheio
Prezado Papai Noel Maior, chefe de todos os papais noéis do mundo, morador perpétuo da distante e gélida Lapônia, desculpe-me por ocupar parte de seu tempo, cada vez mais exíguo, principalmente às portas do Natal. Quem escreve à sua magnânima pessoa é o seu subalterno, o Papai Noel do Brasil. A intenção dessa indignada e maldigitada missiva é pedir, com todo respeito, minha aposentadoria. Poderia continuar na ativa por mais anos, porém me desiludi da minha missão nesse país. E papai noel descrente não exerce direito sua função. É mais honesto parar de vez.
Aceito, se possível for, uma transferência, mas para um local melhor. Poderia ser, por exemplo, a um país próximo de onde o senhor mora, um desses da Escandinávia, onde terei mais tranquilidade, desfrutarei dos meus impostos e serei tratado como gente, como cidadão. Será possível, até, estacionar meu trenó na rua com a certeza de encontrá-lo novamente quando voltar.
Darei minhas razões para me afastar de tão nobre e altruísta função, para a qual o senhor me escolheu e sempre cumpri com esmero, apesar das contrariedades impostas por essa nação ingrata a seus filhos. Ou será o contrário? Não sei. Espero que meus motivos sejam acatados por sua extrema benevolência e tolerância.
De alguns anos para cá, tratam-me como imbecil. Cheguei ao ponto de achar que realmente sou um. Tudo que acontece nesse país derruba minha auto-estima, Natal após Natal. Imagine o Senhor um pé de tomate em que alguém substitui o fruto mais viçoso por uma bola de bilhar. Pois é, sinto-me assim: derrubado, rente ao chão, como esse tomateiro.
Quando ando pelas ruas das cidades brasileiras presencio cenas dantescas, como hordas de crianças que me pedem o que jamais poderei lhes dar. Tem ainda os gerentes de shopping center que me convidam para distribuir balinhas em frentes às lojas, pessoas que pedem para eu sorrir (oh, oh,oh!) só para tirar fotos ou rir de mim e, o pior de tudo, adultos que olham para mim e dizem ao filho: “Papai Noel não existe, moleque. Sou eu quem compra seus presentes, não este barbudo panaca aí vestido de vermelho”.
Voar com meu trenó também ficou complicado por causa do caótico tráfego aéreo brasileiro, sem contar os urubus, prédios enormes, erguidos em lugares inconvenientes, poluição do ar. Tudo isso atrapalha a mim e às minhas renas, que já estão neuróticas, sem sentido de localização e asmáticas. Como nesse país não há chaminés nas casas, e as que têm não precisam de meus presentes, sou obrigado a encontrar outras formas de entrar nas residências. Já quebrei telha, furei caixa-dágua, pisei em cocô de pombo e até fui confundido com ladrão.
Também já ocorreu o contrário. Fui assaltado diversas vezes. Foi difícil para eu provar ao ladrão que não tenho conta em banco. Ele olhou para meus presentes e pensou que eu era um próspero comerciante de loja de R$ 1,99. Meu Papai Noel Maior, é muita humilhação. Mas o larápio tinha razão. Meus brinquedos são todos made in China, mesmo. Porém, a maior degradação por que passo nas ruas é a pergunta malévola dos brasileiros: “Seu saco é de brinquedo?”
Até mesmo a capital do país, que sempre achei uma ilha de civilização no mar da barbárie, já não é mais a mesma. Se passo pelas quadras planas de Brasília, principalmente perto do Congresso Nacional, sou obrigado a proteger minha carteira. Certa feita fui até confundido com determinado senador e tive de correr para não ser linchado. Os manifestantes não acreditaram na minha versão. Acharam que minha roupa era disfarce para andar na multidão sem ser reconhecido.
No Rio de Janeiro, onde sempre gostei de circundar o Cristo Redentor com meu trenó, é quase impossível perambular em paz. Há alguns anos minha preocupação era ver crianças perdidas nas calçadas de Copacabana. Hoje, quem não tem destino são as balas.
Bem meu indulgente Papai Noel Maior, Rei da Lapônia e protetor dos desafortunados desse mundo, tudo que relatei ao senhor é a mais pura verdade, extraída das profundezas abissais de minha alma. Perdão pela frase chula: ESTOU DE SACO CHEIO!!
(FIM)