O CHEIRO DO CAFÉ
Não, eu nunca tomei café antes das 5h da manhã, nem provei do pãozinho colocado bruscamente pelo padeiro no prego do portão da casa da vizinha; pãezinhos aqueles trazidos pela senhora de camisola azul-marinho.
- Bom dia!
Repetia ela ao passar por mim sentado na calçada esperando o ônibus que me levava à universidade.
- Bom dia!
Repetia ela, e às vezes sorria maternalmente.
Que importa se aquela senhora cumpria seu dever matinal? Que importa se um neto gordo dormia profundamente, enquanto ela passa o moca? Que importa se eram pãezinhos iguais aos da minha vizinha? Meu Deus, eram iguaizinhos!
Mas o sorriso era diferente. O “bom dia” era diferente. Quem sabe o cheiro do café, que nunca senti, fosse diferente, embora a avó Mundola dissesse que todos os cafés cheiram iguais. Não, aquela velha senhora há de ter o cheiro do café diferente!
Quando descobri que o ônibus passaria a circular trinta minutos mais tarde, quase morri. O que seria de mim sem a expectativa de sentir o cheiro do café? Como seria triste aquela calçada sem os passos lentos daquela senhora! Não, não seria triste! Quem sabe, melancólico...
Talvez eu morresse de tédio, porque o ônibus nunca chegava no horário certo. Às vezes eu gostava, mas na maioria das vezes detestava, principalmente quando a senhora de camisola azul-marinho não passava pra recolher o pão – o pão era o seu alimento primeiro. Era a minha companheira primeira.
- Bom dia!
Repetia para mim mesmo.
- Por que tu não vais no mesmo horário? Nada custa.
O leitor deve concordar que nem todo mundo tem alguém para amar com respeito, eu amava sentir vontade de sentir o cheiro do café.
Como não me coube recusar tal proposta. Lá estava eu no horário de sempre. Lá estava a velha senhora com seu porta-níquel florado, passos lentos e olhos caídos.
- Bom dia!
Disse ao passar por mim.
Foi diferente.
Nunca antes pronunciara um “bom dia” na ida. Era sempre na volta. Era na volta que ela trazia os pães. Era na volta que o café cheirava. Era na volta que ela sorria. Agora ela nem sorrir sorrira. Como se faltasse algo além dos pãezinhos e o café.
Ela voltou.
Embora com um sorriso largo, denso para os lábios tão trabalhados, não me fizera à fineza de dizer: BOM DIA!
Curvei os olhos, me distrai num Dostoievski. Nunca mais acordei antes das 5h30 da manhã.