O REDESCOBRIMENTO

Seu Abduzido era homem franco e fraco de ideias, politiqueiro nas horas vagas como todo bom cidadão, investia todo seu dinheiro, que não era muito, no ramo dos diclofenacos, pegava numa cidade vizinha, e vendia a preço dobrado aos conterrâneos.

Abacado por uma moléstia, não houve diclofenaco que desse jeito, desde então, resmungava a filha mais nova da sua desgraça:

- Mas pai, eu não casei porque não quis!

- Ora, falo da minha desgraça!

Desgraçado seja quem for, a vida corria a longos tragos de cachaça. Agora, sem poder, sem autonomia, caíra Seu Abduzido em ócio, nas horas vagas, que eram muitas, chafurdava na cachaça e afundava a vergonha no cabaré da Dona Leonor Buqueta. Certa vez, enquanto alisava as genitais de uma rapariga, declamara alguns versos:

“Consorte, que é pegajoso, também molhado

Mas mesmo impuro, é o que faz fazendeiro vender gado”

E como todo mundo achou graça, Seu Abduzido danou-se a escrever versos; mandou logo que trouxesse de Sobral um computador; digitar não digitava, por isso quebrara o pau no moleque do Seu Toinhão, o diabo do menino não queria datilografar:

- Ora, onde já se viu, aquele moleque disse que não é datilógrafo!

Aprendera que Santa Quitéria cresceu, e já não se encontra mais datilógrafos com tanta facilidade por aí, mas já era tarde, digitara ele mesmo, ele era o digitador dele mesmo.

- Oh pai, o senhor é baum demais nisso!

- Ora sim, isso aqui é baum demais da conta!

Seu Abduzido descobrira a civilização.

E choveu versos, no fim de um mês, já somara 180 poemas, não eram bons, mas o poeta era velho, de família tradicional e católico, logo seria imortalizado; foi-lhe então, entre uma pitada e outra de uma cigarrilha, que tivera a ideia de publicar um livro.

- Ora, vou ganhar dinheiro, vou ser Nobé!

E nisso, passara algumas horas matutando o título para seu livro, como se não bastasse, dizia consigo, tem um tal de prefácio, epígrafe, apresentação, e mais o diabo.

- Ora, quem ler essas bobagens?!

Seu Abduzido era homem determinado, e começara a digitar alguns títulos; pensara no nome da esposa falecida há 15 anos, digitara:

CRAÚDIA

O computador recusara.

- Ora, que é isso, não quer a Cráudia, pois fique sabendo que ela foi uma boa mulher. Não teve jeito, com maquinas não se discute. Restara homenagear sua cidade tão amada, digitara:

SANTA QUITERA

O computador recusara.

- Ora, mas que bichinho mais atrevido!

Seu abduzido quebrara o pau no computador.

- Ora minha filha, vá comprar diclofenaco pra esse povo!

Santa Quitéria descobria Seu Abduzido.

Nacélio Rodrigues Lima
Enviado por Nacélio Rodrigues Lima em 14/12/2011
Código do texto: T3389274
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.