Um bem-te-vi
ao cair da tarde
1. Na frondosa amendoeira, que da minha janela avisto, pousa, nos fins de tarde, um alegre e esperto bem-te-vi.
2. Durante cinco, dez, quinze minutos ele canta sem parar. De repente silencia; levanta voo, e desaparece no crepúsculo mágico de Salvador. Que rumo ele toma, não sei se o do mar; não sei se o do mato.
3. Para ouvi-lo melhor - "Bem-te-vi! Bem-te-vi!" - desligo meu computador e o meu som. Ponho, em seguida, o rosto entre as mãos, e em profundo silêncio, flutuo no gorjeio do meu dileto visitante alado. Seu canto me traz doces relembranças de um passado distante.
4. Quando eu era garoto, dezenas de bem-te-vis invadiam, todas as tardes, os beirais da minha casa de alvenaria, no meio do mato; ou tomavam conta do viçoso pau-d´arco que enfeitava seu amplo e hospitaleiro terreiro.
Vinham se juntar aos galos de campina e a canoros sabiás.
5. Não é fácil manter bem-te-vis em gaiola. Nunca os vi nem em confortáveis viveiros. O bem-te-vi é um pássaro de voo alto e de rápido deslocamento. O caçador precisa ser bom para lhe acertar as asas, ou atingir-lhe o peito de penas amareladas.
6. Durante um bom tempo, tive o bem-te-vi como uma ave exclusiva do sertão; um pássaro matuto.
Mudei de opinião depois que li uma história contada por Rachel de Queiroz, em elegante crônica, publicada em setembro de 1971, sobre um casal de bem-te-vis apaixonados.
A história não aconteceu na fazenda Não Me Deixes da escritora. Aconteceu na cidade do Rio de Janeiro!
7. Segundo a autora de O Quinze, dois bem-te-vis, loucamente enamorados, causaram o maior rebuliço quando "curtiam o amor junto à linha-tronco - 44 mil volts - abastecedora da rede aérea da Central do Brasil".
8. Na "rápida carícia de bico a bico", os bem-te-vis provocaram um curto-cicuito, paralisando os trens da Central, deixando muita gente, durante horas, sem acesso ao trabalho.
Os bem-te-vis morreram abraçados.
9. Vejam o belo texto de Rachel: "Por um beijo de passarinhos, meio milhão de pessoas - que é esse o número de usuários dos trens da Cental no período - ficaram durante meio dia sem poder chegar ao trabalho: só o beijo imortal trocado por Helena e o pastor Páris, que desencadeou o lançamento de mil navios e causou a guerra de Tróia, pode lhe ser comparado."
10. Outra historinha de bem-te-vi eu descobri, lendo Catulo da Paixão Cearense.
Para escrever a canção O Bem-te-vi, o autor de Luar do Sertão inspirou-se num episódio, que um de seus biógrafos assim recorda: "Um sertanejo mata uma cabocla, com uma punhalada certeira no coração. No mesmo momento, um bem-te-vi, numa árvore próxima, canta. E todas as vezes que o assassino ouvia o canto desse pássaro, vinha-lhe à memória, visual e auditiva, da tragédia. Era uma obsessão. Acreditava que o pássaro o denunciava. E o criminoso foi obrigado a deixar o sertão."
11. Confesso, que ao ver, ao cair da tarde, aquele bem-te-vi a me espiar, desconfio que ele me conhece; e que, de quebra, sabe de todos os meus segredos...
OH! bem-te-vi, se os sabe, que não os revele a ninguém...
ao cair da tarde
1. Na frondosa amendoeira, que da minha janela avisto, pousa, nos fins de tarde, um alegre e esperto bem-te-vi.
2. Durante cinco, dez, quinze minutos ele canta sem parar. De repente silencia; levanta voo, e desaparece no crepúsculo mágico de Salvador. Que rumo ele toma, não sei se o do mar; não sei se o do mato.
3. Para ouvi-lo melhor - "Bem-te-vi! Bem-te-vi!" - desligo meu computador e o meu som. Ponho, em seguida, o rosto entre as mãos, e em profundo silêncio, flutuo no gorjeio do meu dileto visitante alado. Seu canto me traz doces relembranças de um passado distante.
4. Quando eu era garoto, dezenas de bem-te-vis invadiam, todas as tardes, os beirais da minha casa de alvenaria, no meio do mato; ou tomavam conta do viçoso pau-d´arco que enfeitava seu amplo e hospitaleiro terreiro.
Vinham se juntar aos galos de campina e a canoros sabiás.
5. Não é fácil manter bem-te-vis em gaiola. Nunca os vi nem em confortáveis viveiros. O bem-te-vi é um pássaro de voo alto e de rápido deslocamento. O caçador precisa ser bom para lhe acertar as asas, ou atingir-lhe o peito de penas amareladas.
6. Durante um bom tempo, tive o bem-te-vi como uma ave exclusiva do sertão; um pássaro matuto.
Mudei de opinião depois que li uma história contada por Rachel de Queiroz, em elegante crônica, publicada em setembro de 1971, sobre um casal de bem-te-vis apaixonados.
A história não aconteceu na fazenda Não Me Deixes da escritora. Aconteceu na cidade do Rio de Janeiro!
7. Segundo a autora de O Quinze, dois bem-te-vis, loucamente enamorados, causaram o maior rebuliço quando "curtiam o amor junto à linha-tronco - 44 mil volts - abastecedora da rede aérea da Central do Brasil".
8. Na "rápida carícia de bico a bico", os bem-te-vis provocaram um curto-cicuito, paralisando os trens da Central, deixando muita gente, durante horas, sem acesso ao trabalho.
Os bem-te-vis morreram abraçados.
9. Vejam o belo texto de Rachel: "Por um beijo de passarinhos, meio milhão de pessoas - que é esse o número de usuários dos trens da Cental no período - ficaram durante meio dia sem poder chegar ao trabalho: só o beijo imortal trocado por Helena e o pastor Páris, que desencadeou o lançamento de mil navios e causou a guerra de Tróia, pode lhe ser comparado."
10. Outra historinha de bem-te-vi eu descobri, lendo Catulo da Paixão Cearense.
Para escrever a canção O Bem-te-vi, o autor de Luar do Sertão inspirou-se num episódio, que um de seus biógrafos assim recorda: "Um sertanejo mata uma cabocla, com uma punhalada certeira no coração. No mesmo momento, um bem-te-vi, numa árvore próxima, canta. E todas as vezes que o assassino ouvia o canto desse pássaro, vinha-lhe à memória, visual e auditiva, da tragédia. Era uma obsessão. Acreditava que o pássaro o denunciava. E o criminoso foi obrigado a deixar o sertão."
11. Confesso, que ao ver, ao cair da tarde, aquele bem-te-vi a me espiar, desconfio que ele me conhece; e que, de quebra, sabe de todos os meus segredos...
OH! bem-te-vi, se os sabe, que não os revele a ninguém...