CRÔNICA DO AMOR
As cores nos parecem mais nítidas e atraentes quando amamos e somos amados, é como se todas as coisas vivas e inertes tendessem a exprimir um tom a mais de beleza e singularidade por onde passamos, onde quer que estejamos. Até as flores simbolicamente sorriem ansiosas por abraçar-nos, por exalar seu perfume, por dividir a alegria como fazem as pessoas que estão felizes e desejam demonstrar a plenitude dessa felicidade. Temos a impressão, nesses momentos de êxtase, de perceber gorjeios mais emocionantes entre os pássaros, de vê-los embevecidos com o ar de ternura que emana de nossos olhares e envolve os arredores. Vivendo um amor de grandes proporções e emocionante intensidade romântica e afetiva, chegamos quase a pensar haver vivacidade onde, na verdade, só existe inércia, como se descobríssemos doçura na melancolia, enternecer na tristeza, luz na escuridão, volúpia nas sombras, algo de terno na dor.
Tamanho é o gozo por sermos amados, de tal magnitude é esse inexplicável prazer que o simples avistar estrelas brilhando lembra de imediato os lindos olhos dela, topar com rosas em jardins por aí é sentir seu meigo sorriso adocicado, ir à toa é igual a voltar num súbito, correr por qualquer rumo é como estagnar em devaneios, dormir sobre nuvens é semelhante a acordar no crepúsculo, abraçar é mergulhar num mar de sublimação, de maneira que é vê-la em outras mulheres, ela, só ela como se jamais houvesse outras, ou como se estas fossem simplesmente e tão-somente lembranças do que aquela é. Seus resquícios, tudo que faz lembrá-la. Amor assim transcende e transborda, evoca sabores inigualáveis, exóticos e inimagináveis, desdobra-se em agradar, aprimora-se em carinhos repentinos os mais improváveis, derrete-se feito montanhas de delícias ante o amoroso calor do sol, vai deixando rastros de contagiante inebrio em seu trajeto e espalhando em derredor o odor da vida. Amar tanto quanto ser correspondido em igual totalidade é a supremacia do deleite, quiçá se torna a concretização dos sonhos mais inesperados e sobremaneira abstratos, o auge do descobrir-se vivo.
Porque sem dúvida é esse sentimento o único a nos alçar ao altiplano do Nirvana, ao seu clímax, o mais pungente a mover a humanidade, a essência do realmente palpável, do invisível que pode ser visto, de tão explosivo e vívido, o leme da nau humana que busca a todo custo conhecer, tocar e sentir toda a alegria de ser feliz. Prescindir dele é sobremodo doloroso, privar alguém de respirar o sufocaria em ínfima proporção se comparado a não poder amar, dir-se-ia até mesmo ser impossível continuar vivo desprovido do amor, arrancar a alma ao vivente não seria menos angustiante. O amor é, como se vê, a rota infrene seguida cegamente por homens e mulheres, o arco-íris ao qual queremos chegar para usufruir de seus fulgores, de suas ardências mirabolantes, de seus olores e fragrâncias excepcionais, de suas maravilhas fluindo e aspergindo nas imediações de sua existência. Os sonhos se revelam, dançam espalhafatosos, se divertem no universo lúdico do amor.
No universo dos seres racionais tudo é amor, prossegue em amor, termina em amor, morre e vive em e por amor. O amor pleno é, sobretudo, essencial, tudo mais que vem antes e depois dele é secundário, descartado, de segundo plano. O próprio ato de estarmos vivos perpetuando a espécie humana já é um sublime ato de amor, além do que Deus em Si mesmo é a consubstanciação do amor espiritual revelado, o Verbo divino que se fez plenamente carne sendo absolutamente espírito em pureza, divindade, soberania, amor cem por cento homem e cem por cento Deus.