Natalinos Quânticos

Natalinos Quânticos







Então pois, outro dia uma desconhecida me enviou um e-mail dizendo que sua irmã é fulana de tal, escritora, e que precisa desesperadamente de seguidores. Minha nossa. Em pleno resplandecer do augusto século 21 a síndrome de aiatolá assola cada vez mais criaturas perdidas, numa ponta ou noutra. Famosos aparecem na TV e o que poderia ser conversa produtiva e informal se torna um display transmissor de “olha, eu tenho tantos milhões de seguidores”. Que fenômeno curioso, esse. Basta um clique.

Três coisas você precisa saber de cara sobre o Toque Quântico. Primeiro: dor é baixa vibração. Segundo: ninguém cura ninguém. Depois: que ninguém pense em religião ou misticismo. No caso, e para os adeptos (passados, presentes e futuros) do Toque, trata-se apenas de Física Quântica.

Semana passada tivemos Columbine em Sampa, evento noticiado apenas por um, digamos, jornalista. Um moleque munido de uma bike, revólver e capuz de ninja matou 8 pessoas. Será que ele queria seguidores?

Absolutamente incrível essa campanha “Brasil sem cigarros”, ou algo do gênero. Muito a propósito. Oxalá meus tetranetos possam assistir o “Brasil sem álcool”.

Bem antes do filme “Quem Somos Nós?” (2004) revelar para as massas as descobertas do paradoxo da matéria – nada é sólido e tudo não passa de elétrons vibrando em velocidades diferentes, e, alheio às 1001 informações ali contidas, Clemente, ou se preferir Dr. José Maria Campos, publicava em 1996, “Jornadas pelo Mundo da Cura”. Nesta que é a sua quinta publicação, entre 2001 informações, ele trata da energia da inércia, que vem a ser “uma força poderosa, paralisante e contrária ao processo evolutivo”. Clemente não quer seguidores. Para onde seguem os que almejam “ter” seguidores? Palavra que eu acho esta uma pergunta pertinente.

Toda vez que eu necessito chegar na minha caixa postal pelo caminho do portal, (às vezes só funciona assim), vejo as notícias de famosos e seus hábitos alimentares, capilares, etc. e não deixo de lembrar de W. Allen e a consideração: “toda cultura merece as celebridades que elege”.

Natalie, que trabalha para a operadora tal, diz que eu fui escolhido para a super promoção do momento, que a ligação está sendo gravada e que no final basta eu dizer amém, eu não posso perder essa barbada, terei tantos reais de créditos para falar e ainda por cima 300 torpedos por dia. Natalie é boa de conta e avisa que são 9.000 por mês. Quem mandaria 9.000 torpedos? Depois, pensei, (e me parece lógico), todo aquele dotado de seguidores... Esse negócio de crédito no celular tem uma tremenda vírgula, pois cada vez que eu coloco 12 reais eles só me deixam usar 9, ou em torno disso. Perto dos 3 reais de crédito uma gravação avisa que meu saldo é insuficiente. Ora essa, um pote de requeijão eu como inteiro, e se quiser ainda aproveito a embalagem. Um maço de cigarros, idem, dá pra fumar até o último cigarro. Com o crédito do celu a gente não raspa o tacho e essa beirada fica para eles. Tá ligado(a)? Quanticamente simples.

“Dr. Clemente” explica que a Vida-Consciência rege cada órgão do corpo humano e dá a entender que a teoria do quântico e da cosmogonia anda de mãos entrelaçadas. Adiante de seu tempo, supõe-se que em fins dos 80 ele estagiou na Europa num laboratório que pesquisava as forças etéricas nas substâncias orgânicas. Fala sério, em meio ao lodaçal de abobrinha ainda existe proteína. Na cartilha fast food, “quantum touch” é definido como “uma modalidade de terapia complementar que estimula a nossa Energia Vital para promover um máximo de bem-estar”. Com isso em mente, vamos em frente. 597 palavras até agora.

Um conhecido de uma conhecida, dono de estúdio, reclama que o problema agora não são os artistas gravando em casa e sim os artistas que chegam no seu estúdio com o parâmetro da pior qualidade possível. “Joguei anos de estudo no lixo”, lamenta ele, os “artistas” estão a ponto de dizer: faz tudo de qualquer jeito, que é pra tocar em MP3. “Com isso”, volve o empresário, “perde-se uma gama de nuances, e a música, que já anda ruim por natureza, fica pior ainda”. Palavra que se um dia eu conhecer esse cara, estenderei a mão pra ele e direi: bem vindo ao clube. Quem sabe iniciamos o cordão do “dispensamos seguidores pois estamos perdidos”.

Por outro lado conheço dois sujeitos, cada qual com esplêndidas filosofias de vida. Um deles diz o seguinte: há muito tempo que eu não bato palma pra louco. Exemplo: um gajo aparece na TV, fala qualquer bobagem, e o mundo saltita e aplaude. Isso ele não faz mais. Já o outro sujeito diz assim: hoje em dia eu penso para pensar. Traduzindo, ele não vive mais no automático. Ora, as duas filosofias se completam, pois se você pensa pra pensar, deixa de aplaudir os lunáticos. Simplificando o que não é novidade, de A à Z, em todas as instâncias, o que se vê são reações automáticas em cadeia.

A italiana RAI, faz algum tempo, soltou para o mercado trechos da vida de João, “O Apóstolo do Amor” (João era um seguidor), quando ele estava na Ilha de Patmos. Foi lá que ele concebeu o Livro das Revelações. Na época o imperador romano da vez era Domiciano, um xarope de carteirinha que se intitulava Deus e por conta desse título mandava os cristãos para o fio da espada. Edward Gibbon escreveu “Declínio e Queda do Império Romano”, em 1760 e bolinha, supõe-se num quarto aconchegante na Suíça, e sua conclusão foi: ”A história nada mais é do que o relato de crimes e loucuras da humanidade”. Gibbon ficou literalmente intoxicado com a barbárie romana. Agora pensemos juntos, o tempo que ele passou abismado com fatos escabrosos já está ficando menor em relação aos cinquentões de agora, que acompanham noticiários há 3 décadas.

Você consegue responder, sem se sentir censurado(a), o que é que se comemora no natal? Pois então, só me resta dizer que fé é um negócio altamente quântico.



(Imagem: Vincent van Gogh, 1887)






 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 13/12/2011
Reeditado em 06/08/2021
Código do texto: T3387075
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