Formigas!

Eu não sei se foi por causa da chuva, das mudanças climáticas, ou do novo Código Florestal, mas a verdade é que as formigas resolveram aparecer na minha cozinha. Não que antes elas não andassem por lá, de vez em quando. Mas era uma ou outra, e não traziam muito incômodo. Só que de algumas semanas para cá, elas resolveram aparecer em bando.

A primeira vez que notei algo estranho no ar foi quando subitamente eu vi um grão de cereal subindo a parede de casa. Oras, eu sei que os grãos de cereal, por mais nutritivos que sejam, não costumam sair caminhando por aí, sem mais nem menos. Reparei melhor e vi então meia dúzia de formigas se desdobrando para empurrá-lo parede acima.

Sou um homem de natureza curiosa, e esse foi o meu mal. Porque, ao invés de expulsá-las, eu fique apenas observando o esforço das formigas. E elas subiam com espantosa rapidez – certamente se tratava de uma espécie alpinista. Logo chegaram até a janela, quando provaram serem boas em todos os tipos de solo, incluindo o vidro.

Deixei que saíssem com o fruto do roubo – sim, porque foi roubo. O grão de cereal era meu, afinal. Mas elas se esforçaram tanto para conseguí-lo que fui tomado por uma estranha compaixão e permiti que fossem bem sucedidos. O problema foi que, desde então, elas passaram a achar que a minha cozinha era a casa da Mãe Joana.

Bastava eu deixar um restinho do cereal no prato que em pouco tempo havia um formigueiro instalado em cima dele. Reparei então que elas tinham uma estranha predileção pelos cereais. Imagino que estejam procurando uma vida mais saudável. Também atacaram impiedosamente um pote de iogurte com reduzido teor de gorduras. Frescas, afinal.

Fui perguntar a minha mãe o que fazer com as formigas. Ela disse conhecer um veneno que era tiro e queda. Matava até a sétima geração. Se alguma sobrevivesse, se suicidaria de desgosto, tamanho o genocídio causado pelo produto. E pior, continuava matando até não sei quantas semanas depois. Tive pena e fui buscar algo natural.

Alguém me falou então em cascas de tangerina. Parece que as formigas não suportam. Provavelmente é muito ácido pra elas. Causa refluxo, ou algo do tipo. Comprei então as tangerinas. Deixei elas guardadas pra uma emergência – ou seja, o dia seguinte, quando elas atacaram covardemente a minha lata de lixo atrás de mais iogurte.

Depois de fazer uma limpa nelas, espalhei algumas cascas. A princípio, elas realmente se afastaram. Continuaram andando ao redor. Mas ali, onde havia uma casca, elas não ousavam se intrometer. No máximo, davam uma cheirada e saiam atrás de outra coisa. Conclui então que pelo menos tangerina eu poderia comer sem medo das formigas.

Passei a cuidar mais. Não deixo mais restos em cima da mesa. Cereal e outras coisas, estou guardando na geladeira. Ultimamente, vejo poucas delas caminhando. Talvez tenham dado uma trégua, ou tenham ido procurar um lugar mais saboroso. Ou – é o que temo – estejam apenas aguardando o momento certo, um deslize meu, para dar o bote.

E isso tudo apenas porque não consegui arrumar um tamanduá.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 12/12/2011
Reeditado em 12/12/2011
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