Onde as crianças dormem?

“Ó, mundo tão desigual

Tudo é tão desigual...

Ó, de um lado este carnaval

Do outro a fome total” (Gil, Herbert Viana, Baroni).

Um país que se pretende uma nação de primeiro mundo, ainda convive com as desigualdades sociais tão agressivas a ponto de serem odiosas, diante dos volumes exorbitantes de cifras publicas, para contas em paraísos ficais ou mesmo para as peças intimas do vestuário de alguns parlamentares, bandidos, símbolos da locupletação, que mancha ainda mais a historia vergonhosa da política nacional.

Sonhamos com o dinheiro publico que possa resgatar a dignidade de muitas crianças espalhadas por este Brasil, estas que nunca conheceram uma escola. Crianças que ainda neste interior imenso, empregam suas mínimas forças em pedreiras, plantação de cana ou carvoaria em sistema próximo da escravidão. São estas mesmas crianças, que quando chega o fim do dia, exaustas e famintas deixam seus corpos num catre duro feito de paus irregulares. Mortas de cansaço sonham e adormecem e num sonho imaginam coisas, que às vezes veem numa revista ou numa televisão, quando de passagem por uma cidade grande no seu pau de arara.

São seres enegrecidos pelo sol, pela fuligem da cana queimada, do carvão que alimenta as siderurgias ainda espalhadas pelo Brasil. Onde dormem estas crianças não importa aos parlamentares e ou governantes deste país, todos omissos de uma realidade que nos envergonha, mas sorrateiramente são colocadas sob o tapete persa dos palácios onde eles preparam uma armadilha a cada dia, no sentido de locupletarem cada vez mais e aos trabalhadores mais e mais taxações como vampiros.

Nas grandes cidades circulam pela noite. Podemos encontrar estas crianças surradas pela vida, empunhando um cachimbo, ou mesmo uma lata de cola de sapateiro. Seus olhos perdidos num mundo inexistente namoram as vitrines das lojas, dos bares, arquitetando uma maneira de adquirir suas fantasias da maneira mais comum a elas, o roubo. Quando exaustas de sonhar e rodar pelas ruas, sem sucessos nas suas investidas, as encontramos sob as marquises dos centros, ou mesmo numa área de autoatendimento de bancos. Outras simplesmente se largam num banco de praça, ou mesmo junto das colunas de um viaduto. Lá que elas adormecem e num pesadelo assustadas veem o dia clarear no seu rosto, lhe convidando para mais uma peregrinação em busca do nada e assim é sua vida, até que morte lhe surpreenda e alivie a dor.

São seres humanos, trapos de gente circulando entre as pessoas limpas, que lhes torcem o nariz, algumas vezes lhes jogando uma moeda, que eles disputam se arriscando em meio aos veículos que circulam.

Ainda pode-se vê-las nas rodovias, mãos estendidas, junto de suas mães, em lugares onde os veículos desaceleram, por buracos ou outra deficiência de nossas péssimas estradas. São solidárias tapando as crateras em época de chuva e assim pensam merecer dos motoristas um trocado, ou mesmo algum tipo de lanche que por ventura tenham no carro. São elas que fazem o que os órgãos de conservação ignoram e assim elas aliviam o sofrimento de quem navega por estas rodovias. E ali adormecem no canto da estrada.

Eu as vejo espalhadas pela nação, que os relegam aos projetos sociais, que inoperantes e mal gerenciados servem apenas para coletar os recursos e desvia-los ao bel prazer. Para espanto geral noticia-se que algumas esposas de prefeitos desviam o dinheiro para compra de suas fantasias, que diferem em muito das fantasias destes meninos, que dormem em lugares que aos olhos nus nos causam tamanha indignação.

São elas as crianças do Brasil, que não sonham com Natal, com camisas de marca de um time internacional ou mesmo de um craque de futebol brasileiro. Elas apenas alimentam o velho sonho, que um dia serão felizes, que chegarão em casa e encontrarão o pão, a cama quente, o aconchego de uma família. Mas na realidade a maioria queda morta com este sonho estampado no rosto encardido da fumaça da rua.

Toninho.

30/11/2011

Inspirado numa sequencia de fotos que mostra o quarto de dormir de uma criança rica e outra pobre.

Toninhobira
Enviado por Toninhobira em 12/12/2011
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