IGREJA REGIONAL DO KADÊ O MEU

Milton Lourenço

11/12/2011

Aquela madrugada prometia. O faro policial nunca tinha deixado o experiente Carlão na mão. E não ia ser agora. Usando de toda a sua autoridade de chefe ele ordena:

- Pare essa Kombi!

- Chefe parece que está cheia de religiosos. É perda de tempo...

- Não vou aliviar nem o Papa... Dura em todo mundo. Vou começar pelo o de terninho marrom pra dá exemplo... Eta cambada de pecadores.

A “puliçada” sabia que quando o Carlão falava pra não aliviar, nem Santo Antonio com um gancho mudava a sua ordem, ainda mais que não era nenhuma ordem absurda.

- Paz do senhor, irmãos... O que tá “pegando” autoridades? Por que todo esse aparato?

- É só rotina, reverendo.

- Reverendo não. Apóstolo Armandinho Guida, por favor.

- Ah tá... De qual igreja?

- Igreja Regional do Kadê o Meu. Com K maiúsculo.

- Ah tá... Nome bem sugestivo... É denominação nova?

- É. Inclusive o “Kadê o Meu” se refere ao pecador perdido e não ao “din din” alheio.

- Ah tá... Esse nome foi inspiração divina, revelação ou visão profética de um membro?

- Um pouco de cada. O “irmão” Fernandinho até sugeriu o nome “Pagou Tá Salvo”, mas um maldoso poderia confundir ou distorcer a missão de nossa obra. Fé é coisa séria.

- É... Pode confundir mesmo... E onde é a sede da igreja com K maiúsculo?

- Somos novos no ramo da religião. A obra só tem dois meses e a sede é na própria Kombi. Nós vamos onde o pecado nos chama. Sabe como é que é... Revelação Profética Pura.

- Ah tá... A “Kadê o Meu” tem muitos fiéis?

- Começamos com meia dúzia, mas hoje, com a conversão daquelas novas “irmãs” lá no banco de trás, já somos quase nove. A fé faz prosperar. Daqui uns dias a gente lota a Kombi, é só orar.

- Nome sugestivo. Sede sobre rodas. Visão profética de membro. Tem mais alguma novidade?

- A “Kadê o Meu” não é mais uma igrejinha como muitas que só querem enganar o desesperado, o desenganado, o viciado ou o corno mal amado. O negócio é sério. O povo já não suporta os “picaretas da fé”. Chegamos pra ficar. Vamos revolucionar a religião.

- “Abaixa a bola” apóstolo... Não se empolgue... Qual é a novidade da sua igreja?

- São várias. Pra começar, o nosso dízimo não é dez por cento, baixamos para “oito ponto cinco”, já descontados o I. O. F. Mas com o P.I.B. ainda não foi possível fazer o mesmo, e...

- “Peraí!!” Como é que é? I.O.F? P.I.B.? Isso é banco ou igreja? Se explique “mermão”.

- O I.O.F. nada mais é que o Imposto sobre as Orações Feitas que sempre vem embutido no próprio dízimo. E olha que já tem gente cobrando o “trízimo”. Dizem que é para cobrir os custos sobre a Doutrina Trinitária. Mas como estamos começando, abrimos mão desse direito.

- E o P.I.B. tem explicação? Porque ainda tá embutido na oferta obrigatória do fiel?

- Antes do P.I.B., se a autoridade me permite, devo esclarecer a diferença de dízimo e oferta. Dízimo é a contribuição mensal obrigatória. É bíblico, tá lá em Malaquias 3:10. Já a oferta é voluntária. E para facilitar os “irmãos” criamos envelopes abençoados de 50,00 ou 100,00 reais.

- “Irmão” Armandinho Guida, não enrola... Quero saber do P.I.B.

- Apóstolo autoridade... Apóstolo. “Irmãos” são eles lá na Kombi. Líder religioso é diferente.

- Tá bom. A divindade apostólica pode explicar o raio do P.I.B. agora?

- O P.I.B. nada mais é que o imposto sobre as Profecias, Incenações e Batismos.

- “Peraí!” Incenação tá errado. A palavra certa é encenação. Com E. Respeite o português.

- Sabemos disso. Esta palavra vem do Aramaico-hebraico-arcaico-romano. Fé Primitiva Pura.

- Prosiga apóstolo... Prosiga. A língua portuguesa há de perdoar as divindades religiosas.

- Pois bem... O P.I.B. cobre os custos operacionais na hora da pregação. O senhor não imagina, mas profetizar dá trabalho... Incenações nem se fala. Tem cada “pirueta”, “cambalhota” “rabo de arraia”, etc. E no batismo usamos água filtrada. Na nossa igreja o negócio é sério.

- Ah tá... Boa explicação. E tem mais alguma inovação na sua agência da fé?

- Lá não temos preconceito e não proibimos nada. Quer fumar, fume. Quer beber, beba. Quer trair, traia. Quer fornicar, fornique. Quer roubar, roube. Quer ser político, seja. Quer dirigir bêbado, dirija. Quer “boiolar”, “boiole”. Quer subornar, suborne. Quer super faturar, super fature. Nossa doutrina é objetiva: se está no mundo é porque Ele permitiu. Resumindo: peque, mas peque com moderação.

- Parece doutrina de garrafa de cerveja. Desse jeito a Kombi logo logo vai lotar.

- Deus te ouça autoridade. Deus te ouça. Aproveito e convido o senhor e toda sua abençoada equipe para uma visitinha na nossa “Igreja Regional do Kadê o Meu”. Aqui está a nossa programação mensal, com os locais e horários. Apenas leve cinco quilos ou mais de qualquer alimento não perecível para ajudar no nosso trabalho social para a Comunidade do Urubu Rei.

- Pode liberar os religiosos. Tudo certo com os abençoados. Paz do senhor e glória para todos.

- Tu “pirou” Carlão? Que “galera sinistra”. Com certeza ali tinha “parada” errada...

- Deixa de preconceito Pereirão. A propósito, tu ainda tem aquela van pirata? Tive uma visão profética de Gestão Religiosa Pura que vai tirar a gente da polícia. Vamos ficar ricos “Apóstolo Pereira Reis”. Ah! Se vamos... Não marque nada para o próximo domingo...