Fim de relação
A cada fim de uma relação, me decreto luto. Dois anos é tempo razoável. Seis meses são necessários para que a separação se transforme em dor suportável. Com dois anos pode-se, finalmente, sentar um na frente do outro, tendo como distanciamento apenas uma mesa de bar, dois chopes e petiscos de baixa caloria. Os petiscos hão de ser de baixa caloria porque é época de volta ao mercado de consumo. Sentir-se “desejável” não é mais uma prerrogativa das mulheres.
Mas, voltando à mesa do bar, podemos perceber que chegamos, enfim, a um novo tempo. É possível olhar-se nos olhos, enxergar quem está realmente sentado no outro lado da mesa e não arriscar qualquer gesto de sedução (há quem tenha tentado, com resultados desastrosos).
Com este tempo de separação, há uma chance apreciável de que o medo se sinta desencorajado de comparecer ao encontro e eventual tremor nas mãos não passe de uma inconsistência causada por uma cadeira desconfortável.
O ritual do reencontro poderá servir como armistício, senão antes a compreensão de que nada mais seria possível do que a simples separação.
Tocar as mãos, olhar nos olhos, falar das coisas que ficaram para trás, sem qualquer acusação, funciona como agulhas cirúrgicas a costurar feridas que cicatrizarão em breve.
Uma onda de ternura poderá, inclusive, percorrer o corpo no toque das mãos, a lembrar outros toques consentidos e desejados, mas a paixão, esta terá sido sepultada nos dois anos do luto.
O beijo doce na face, a frase, pronunciada em meio a um engolir de saliva, de que “desejo que sejas feliz”, sugerindo ternura e sinceridade, acabará por sepultar eventual esperança suspeita na proposta de encontro.
São muito tristes as despedidas de relações carregadas de paixão. São como fetos gestados com ternura imensa e que morreram antes de o amor ser parido.