Velas de Aniversário
“Não assopre as velas do bolo de aniversário dos outros.”
Com a chegada das redes sociais – que vieram pra ficar – reencontramos muitos amigos de infância, de nossa terra, de familiares que não encontramos há muito tempo. Eu me sinto honrada de poder estar com tantas pessoas que, em algum tempo de minha vida, fizeram parte da minha e outras, que tornam-se tão especiais e que chegam para ficar.
Outro dia uma dessas pessoas estava resoluta em cortar alguns de seus vínculos, porque sentiu que “estava sendo vigiada”. Espero que ela tenha podado esta árvore com presteza.
Nesta quarta-feira, quando eu conheci Vittorio, um senhor de exatos oitenta anos, sorri à primeira vista. De bermuda cinza, camisa de tecido branco, meias pretas, cuidadosamente vestidas quase na canela e um par de tênis de marca, ele estava parado a alguns metros da fila do caixa rápido, com um carrinho imenso e apenas um pacotinho de carne moída dentro dele.
Esbravejando, reclamava do tempo que estava à procura de um atendente e não encontrava ninguém.
A figura dele nos fazia rir, não pelo seu físico ainda bonito, nem pelo seu cabelo branco, mas sim pelo ar de zangado que tentava insistentemente ter e não conseguia.
Para acalmar o velhinho – um dos meus comprometimentos nesta vida é o cuidado com os mais velhos – eu fiz um sinal pra ele e ofereci meu lugar. Ele ficou surpreso e em segundos pudemos partilhar de momentos maravilhosos ao lado dele. Conquistou todos de tal maneira que até a moça do caixa se dobrou aos encantos do “Seu” Vittorio.
Em poucos minutos ele estava sorrindo e, como acontece com a grande maioria dos idosos, começou a contar a vida dele para que o mundo aqui fora saiba.
Casado com o amor de sua vida, juntos até hoje. Apanhava do pai todos os dias, mesmo que nada fizesse para merecer. Começou a trabalhar muito cedo e mesmo que não quisesse, o pai teve grande influencia em sua vida. Devagar, os dois ficaram grandes amigos. Dele herdou o ar de zangado, que não engana ninguém.
O mais interessante nele é que guarda na carteira dezenas de notas de um real dos anos 50, novíssimas. Ninguém acreditou que eram reais. Como ele as consegue, ninguém sabe. Juro que pensei em cópias feitas nas impressoras a laser de última geração. Entretanto, não eram. Além dele nos garantir a procedência das notas, a moça do caixa constatou que são verdadeiras, orgulhosa de saber identificá-las, com um leve toque com os dedos sobre o papel.
O velhinho encontrou alguns amigos na fila. E um conta pro outro onde estiveram – quanto mais longe o supermercado mais depressa o tempo passa, ele disse para um deles. Impressionante!
Senti mão firme nas minhas costas quando ele me deu de presente uma das notas. Ele disse, em tom mais baixo, agora só pra mim e que vou tentar repetir.
- Menina, (fiquei feliz pelo "Menina")
- Não deixe os seus olhos se molharem por quem não merece você. A gente só tem alegria de verdade quando sabemos que somos amados. Não fique triste por coisas pequenas; fique triste por coisas muito grandes. Sempre que puder, saia de seu mundo particular e visite os outros mundos que estão espalhados por todo lugar. Trabalhe muito; o trabalho honesto faz muito bem para o seu bolso e a sua saúde. Namore sem se preocupar se o seu parceiro vai encontrar defeitos de idade no seu corpo. O que vale é a entrega e o prazer de cada um. E, muito mais importante, não viva a vida dos outros, o bolo de aniversário é de quem faz anos. Não assopre as velas que não são suas. Guarde esta nota de um real em sua bolsa para que nunca se esqueça do que lhe falo aqui.
Fiquei tão bobamente emocionada que chorei ali mesmo. Como é aquela frase mesmo? – Viva e deixe viver...
Domingo nublado de dezembro, 2011
Ilustrações do Google